Ekhaterina Fernandova adentrou o
salão exibindo na bandeja as primeiras tigelas de salada russa, o que funcionou
como sinal para que, enfim, começasse o jantar dançante. Como malabaristas em
invisíveis cordas bambas entrelaçadas no salão, dançávamos ao som de salsa e
merengue equilibrando aos pares nossos pratos enqueijados com filés à
parmegiana e agradecendo “thank you” aos garçons que se esgueiravam despejando
as batatas inglesas por sobre os montículos aéreos e florestais de arroz
arbóreo.
À nossa frente havia casais
apressados que nitidamente comiam cru enquanto mal passavam ao lado os filés
pelos quais sangrávamos de desejo. Estiquei o pescoço por cima da multidão e
vislumbrei ao longe, entre o mar de cabeças de repolho, o brilhante dente de
alho na boca de meu amigo. Ele exigia de Julienne o direito de salpicar, na retalhada
salada, agora em junho o sal que ela insistia em só colocar a gosto.
Perseguido pela torre e pelo
bispo, cruzou correndo por entre minhas pernas o frango xadrez, que acabou
detido na porta da cozinha pelo golpe certeiro do maitre empunhando um
peixe-espada. Cena bastante deprimente que fez somente o Chico balancear de
tanto rir. Indignadas, algumas senhoras ergueram-se do banco em que há horas
tomavam chá para obrigá-lo a consumir um pão que o diabo havia amassado e
estava aziago.
Romeu e Julieta, apesar de
bem-casados, não puderam entrar porque ele estava com a calça virada e ela
tinha cara de Marta Rocha. “Isso aqui vai terminar em pizza”, gritou raivoso,
xingando o brigadeiro. A galinha era caipirinha e já chegou trôpega, assustando
quem comia funghi secchi e fungava molhado. O segurança era banana e não conseguiu
segurar nem mesmo o pé do moleque.
O frei capuchinho bebericava
café antes de passar o expresso e tentava pagar a conta com um xeque-mate. As
canoinhas estavam furadas e ninguém conseguiu descascar o abacaxi. Babette
reclamava que a torta viera salgada e o arroz estava doce. Apavorada com o que
presenciava, minha esposa engoliu em seco e correu a dar o bolo enquanto eu
nada mais pude fazer senão tomar jeito e sair à francesa daquele sonho indigesto.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de junho de 2013)
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