Flagrante de Sir Parsifal cavalgando em busca do Santo Graal e do crescimento pessoal
Leio livros de literatura (ou
seja, ficcionais) de maneira ininterrupta desde os dez anos de idade e fico
estarrecido quando vejo depoimentos sustentando que esse tipo de leitura é
perda de tempo. “Não perco tempo lendo historinhas”, já escutei alguém dizer.
“Ao invés de ficar em casa lendo, prefiro sair para fora e viver”, disse outro,
como se um coisa impedisse a outra.
Mesmo sabendo sair para fora e
viver, e adorando as tais “historinhas”, minhas décadas de dedicação à leitura
me têm proporcionado o recebimento de presentes inestimáveis sob o ponto de
vista da compreensão da alma humana, o que, para mim, ao menos, se afigura como
algo de vital importância e utilidade. Uma das “historinhas” que mais aprecio é
a saga de Parsifal, o cavaleiro andante, descrita em livro ainda no século 13
pelo trovador alemão Wolfram von Eschenbach.
Numa versão livre de minha
lavra, resumo a “historinha” assim: Parsifal vestiu sua armadura, pegou a
espada, montou o cavalo e saiu ao mundo em busca do Santo Graal, o cálice
sagrado no qual Cristo teria bebido o vinho na Santa Ceia. Em andanças repletas
de aventuras, acaba deparando por acaso com o Castelo do Rei do Graal, onde é
recebido na Corte. Porém, Parsifal percebe que o Rei está doente e, com sua
doença, adoentado está o reino todo: a rainha, os vassalos, os animais, a
natureza, tudo está doente. Jovem e inexperiente, Parsifal vê tudo aquilo e
vai-se embora, mudo e calado.
Anos depois, um Parsifal mais
maduro encontra-se novamente com o Castelo do Rei do Graal e entra. O Rei
continua doente, bem como todo o seu reino. Dessa vez, no entanto, Parsifal faz
a ele a pergunta: “Tio, o que te aflige?”. Ao levantar a questão que na visita
anterior havia sido postergada, demonstrando preocupação, interesse e
compaixão, imediatamente é restaurada a saúde do Rei e de todo o reino, e
Parsifal recebe de presente o Santo Graal que tanto buscava. Tudo porque
simplesmente fez a pergunta certa e estava disposto a ouvir.
O que aprendi com essa
“historinha” é que, ao sairmos às vezes de nosso egoísmo autocentrado, nos
dispondo a ouvir o outro com interesse, podemos estar redimindo o reino interior
de alguém, com pouco esforço. Aprendi na literatura, com essas “historinhas”.
Não acho que perdi tempo.
(Crônica publicada no jornal "Pioneiro" em 7 de junho de 2013)
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