“Tudo é símbolo e analogia”, já dizia o poeta português de quem só lembram da alma que não era pequena. O fato é que, se pensarmos bem, veremos que sempre é possível extrair algum aprendizado mesmo dos mais aparentemente banais atos do cotidiano. Quer um exemplo? Acompanhe-me pelas linhas que correm.
No Natal passado, ganhei de presente uma panela wok. Sabem o que é uma panela wok? Bom, uma rápida busca Google bastaria para assassinar-lhe em um instante a insapiência sobre o inusitado tema, mas vou poupar-lhe trabalho e explicar por aqui mesmo. A panela wok é um utensílio de cozinha originário da China, concebido para ser versátil em seu uso (é capaz de refogar, fritar e/ou cozinhar a comida), permitindo que o calor se distribua de forma uniforme pelos alimentos nela contida. É um objeto de desejo para gourmets e diletantes da cozinha, esfera esta na qual me incluo. Ou achava que me incluía até a semana passada, quando decidi finalmente estrear minha garbosa panela wok materializando uma receita com legumes e carne de porco que escolhi a dedo (limpo) em um livro de receitas exclusivas para serem feitas em... panelas wok!
Era dia de semana, encerrei minhas tarefas profissionais relativamente cedo e pus-me a iniciar os trabalhos cozinhais. Como todo bom cozinheiro sabe (até os maus cozinheiros como eu o sabem, por sinal), é recomendável ler toda a receita antes de começar a prepará-la, para não ser surpreendido no meio do caminho por algum passo irreversível (um primo meu da Bobolândia, certa vez, só descobriu na metade do processo que o polvo deveria ser fritado vivo, mas aí já era tarde demais). Li a receita (cujo autor jurava ser possível de produzir em apenas 35 minutos, o que não se confirmou), preparei os ingredientes, piquei alguns, ralei outros, pesei algoutros, fiz o caldo, cortei a carne, temperei o porco, escorracei o gato e mandei bala.
Duas horas depois de muito vapor e suor, o cozido estava finalmente pronto. Apesar de ter levado o quádruplo do tempo que a receita velhacamente previa, o aspecto condizia com o da fotografia no livro. A esposa chegou do trabalho e fomos à mesa, ávidos para saborear o resultado do presente e de sua estreia. Uma garfada, duas garfadas, algumas mastigadas, olhares trocados e a concordância mútua: “bom, bom, bonzinho...”. Foi aí que minha esposa, num ato súbito, pegou o vidrinho de molho shoyu e disse: “talvez se metermos um pouco disso, o sabor não realça?”. Pois assim disse, assim fez e assim se deu: tacou o shoyu e simplesmente, em um mero ato de um segundo, enriqueceu a receita que eu levara duas longas horas para produzir penando frente ao fogão e a wok empinada nele.
Lance de gênio. A genialidade está nas pequenas coisas, e não se sensibiliza com o suor dos esforçados. Ela simplesmente contempla os que são agraciados por ela. Como é que eu não vi aquele vidro de shoyu antes?
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 18/02/2011)
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