Só de olhar a gente já encaranga
A gente dizia que estava de
renguear cusco, enquanto descascávamos bergamotas ao tênue sol do pós-meio-dia,
na frente de casa, na Rua dos Viajantes. Em Ijuí também fazia frio pra cachorro
nos meus tempos de adolescência, quando a família se reunia à noite em
semicírculo defronte à lareira, as luzes apagadas e a sala iluminada apenas pelas
labaredas que iam lentamente consumindo o toco de pau-ferro, que estralava de
vez em quando, pontuando as histórias que o pai e a mãe alternavam para nos
embalar aconchegos. Chegada a hora, chispávamos para as camas, já quentinhas
com o peso das cobertas-de-penas ali dispostas à nossa espera.
Depois em Santa Maria, estudante
universitário, o Vento Minuano nos atocaiando nas esquinas da Boca-do-Monte ou
então correndo solto a nos gelar as orelhas pelos largos descampados entre os
prédios do campus. Naquela época, o melhor escudo que eu tinha contra o frio
era um pala que me acompanhou na maioria das aulas de Jornalismo e também nas
assembleias universitárias e passeatas por Diretas Já. Uma época em que o
chimarrão nos aquecia de dia e a sopa reforçada feita pela mãe do amigo Jaime
esquentava o rescaldo das longas noites de discussões políticas e literárias.
Mas a paixão mesmo pelo inverno
se consolidou em mim a partir da forte nevasca que atingiu Caxias do Sul e que
ganhei de presente de aniversário no dia 8 de julho de 1994, apenas dois anos
depois de eu ter me enraizado na cidade. Fiz boneco de neve, escorreguei na
calçada, gelei a ponta do nariz e cristalizei um sorriso interno permanente que
sempre se reapresenta quando os termômetros voltam a despencar por aqui. Na
época, cheguei a preservar uma bola de neve intacta dentro do congelador, a fim
de exibi-la aos parentes em suas visitas posteriores, dizendo: “Já viu neve? Tá
aqui, ó”, o mais faceiro de todos.
Um sapeco de pinhão na chapa do
fogão a lenha em Uvanova, um rocambole de cobertores quentinhos, uma sopa
fumegante de agnoline, um banho escaldante antes de ir para a cama, uma
feijoada daquelas, uma garrafa de bom vinho, o sol da manhã derretendo a geada,
a fumaça das chaminés das casas na colônia, um cachecol enrolado no pescoço, um
aperto de mão enluvada e o melhor de tudo: no sofá da sala à noite, a esposa e
o gato aninhados em cada lado de meu colo, me aquecendo corpo, alma e coração.
Prazeres que só o inverno é capaz de proporcionar. Tem coisa melhor?
(Texto publicado na reportagem especial sobre o frio no jornal Pioneiro, em 8 de maio de 2013)
Um comentário:
Eu me mudei para Caxias em 1994 e lembro bem desse dia, ou melhor, da noite de 08.07. A Vânia Lain anunciando que estava nevando em Caxias no jornal. Lembro que no dia seguinte a cidade estava branca, e eu tinha aula naquele sábado de manhã. Fotos, infelizmente, não tenho. Bjs.
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