quarta-feira, 8 de maio de 2013

Um brinde ao frio


Só de olhar a gente já encaranga

A gente dizia que estava de renguear cusco, enquanto descascávamos bergamotas ao tênue sol do pós-meio-dia, na frente de casa, na Rua dos Viajantes. Em Ijuí também fazia frio pra cachorro nos meus tempos de adolescência, quando a família se reunia à noite em semicírculo defronte à lareira, as luzes apagadas e a sala iluminada apenas pelas labaredas que iam lentamente consumindo o toco de pau-ferro, que estralava de vez em quando, pontuando as histórias que o pai e a mãe alternavam para nos embalar aconchegos. Chegada a hora, chispávamos para as camas, já quentinhas com o peso das cobertas-de-penas ali dispostas à nossa espera.
Depois em Santa Maria, estudante universitário, o Vento Minuano nos atocaiando nas esquinas da Boca-do-Monte ou então correndo solto a nos gelar as orelhas pelos largos descampados entre os prédios do campus. Naquela época, o melhor escudo que eu tinha contra o frio era um pala que me acompanhou na maioria das aulas de Jornalismo e também nas assembleias universitárias e passeatas por Diretas Já. Uma época em que o chimarrão nos aquecia de dia e a sopa reforçada feita pela mãe do amigo Jaime esquentava o rescaldo das longas noites de discussões políticas e literárias.
Mas a paixão mesmo pelo inverno se consolidou em mim a partir da forte nevasca que atingiu Caxias do Sul e que ganhei de presente de aniversário no dia 8 de julho de 1994, apenas dois anos depois de eu ter me enraizado na cidade. Fiz boneco de neve, escorreguei na calçada, gelei a ponta do nariz e cristalizei um sorriso interno permanente que sempre se reapresenta quando os termômetros voltam a despencar por aqui. Na época, cheguei a preservar uma bola de neve intacta dentro do congelador, a fim de exibi-la aos parentes em suas visitas posteriores, dizendo: “Já viu neve? Tá aqui, ó”, o mais faceiro de todos.
Um sapeco de pinhão na chapa do fogão a lenha em Uvanova, um rocambole de cobertores quentinhos, uma sopa fumegante de agnoline, um banho escaldante antes de ir para a cama, uma feijoada daquelas, uma garrafa de bom vinho, o sol da manhã derretendo a geada, a fumaça das chaminés das casas na colônia, um cachecol enrolado no pescoço, um aperto de mão enluvada e o melhor de tudo: no sofá da sala à noite, a esposa e o gato aninhados em cada lado de meu colo, me aquecendo corpo, alma e coração. Prazeres que só o inverno é capaz de proporcionar. Tem coisa melhor?
(Texto publicado na reportagem especial sobre o frio no jornal Pioneiro, em 8 de maio de 2013)

Um comentário:

Rafaela disse...

Eu me mudei para Caxias em 1994 e lembro bem desse dia, ou melhor, da noite de 08.07. A Vânia Lain anunciando que estava nevando em Caxias no jornal. Lembro que no dia seguinte a cidade estava branca, e eu tinha aula naquele sábado de manhã. Fotos, infelizmente, não tenho. Bjs.