sábado, 22 de janeiro de 2011

Fora de circuito


Já faz anos que abandonei o saudável e saudoso hábito de ir ao cinema. Larguei de mão. Eliminei de minhas opções de lazer o prazeroso ritual de escolher um filme pelo qual aguardava, encontrar agenda na semana para dedicar ao espetáculo, combinar o evento com a boa companhia (sempre a esposa, cinéfila como eu), reservar os trocos para a indispensável pipoca e, dependendo do horário, também para o jantar temperado a comentários e impressões derivados da película. Não mais. Desisti. E explico as razões.
Primeiro, não é porque eu seja uma das “viúvas dos cinemas de rua”, como aqueles que derramam lágrimas hollywoodianas até hoje pelo fato de o andar da modernidade ter decretado o falecimento das tradicionais casas de cinema, que se transformaram em templos religiosos ou salas de bingo, e direcionou o público para dentro dos shopping centers. Quem chora por isso são aqueles que não conseguem se converter aos ganhos inequívocos da evolução das coisas, pois as modernas salas são mais confortáveis, mais organizadas, o som é melhor, a projeção normalmente eficiente, o climatizador costuma funcionar. A questão não é essa.
Também não é devido ao fato de eu residir em uma cidade na qual não existam mais salas de cinema disponíveis, nem as antigas de rua, tampouco as de shopping centers, como Farroupilha. Eu resido em Caxias do Sul, na qual há salas em número suficiente para atender às demandas nessa área, tanto em shopping quanto em locais culturais que exibem programação alternativa (na Universidade de Caxias do Sul e no Centro de Cultura Ordovás, por exemplo). E mesmo que morasse em alguma cidade da região próxima, bastaria, para suprir a eventual necessidade cinéfila, fazer um prazeroso passeio até Caxias ou Bento e incrementá-lo com a ida ao cinema. Também não é isso.
Tampouco, leitores, minha decisão deriva do fato de eu ter subitamente empobrecido e andar pelas sinaleiras das nossas ruas com um cartaz nas mãos mendigando esmolas, igual ao ex-radialista norte-americano com o vozeirão tonitruante, que todos vimos nos noticiários. Cessem as doações, tudo vai bem, o salário milionário que recebo escrevendo aqui supre todas as minhas necessidades.
O que me afastou para sempre das salas dos cinemas são as pessoas que vão às salas dos cinemas. Que vão para lá lotá-las com o objetivo não de assistir aos filmes, mas de papagaiarem sem parar durante toda a projeção, de sacudirem as poltronas de quem está na frente (e eu sempre estava na frente de algum joelho incivilizado), para disparar e receber torpedos, para falar ao celular. Não dá. E pior é que essas pessoas podem fazer tudo isso em outros lugares, de graça, sem pagar a entrada da sessão. Não entendo, não compreendo, não aceito, não suporto, não tolero. Transformei a sala de minha casa num cinema particular. Até a pipoca é boa. Abandonei os cinemas, mas não o hábito de cultivar minha cultura e minha tranquilidade, mesmo que ao preço do auto-segregacionismo.
(Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 21/01/2011)

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