Uma das lições que o episódio do soterramento dos mineiros chilenos nos deixou é a compreensão de que o furo pode ser sempre bem mais embaixo. Nas duas últimas semanas, escrevi aqui sobre minha constante preocupação com alguns fenômenos sociais cada vez mais presentes em nosso cotidiano: os maus motoristas, os maus pedestres, as pessoas que só pensam em si próprias, integrantes de um movimento que batizei de “eucomiguismo” (pessoas que só pensam e agem de acordo com o “eu comigo”).
Mas a partir das manifestações dos leitores a respeito do assunto, refleti um pouco mais e percebi que, na verdade, tanto os maus motoristas quanto os maus pedestres, e outras criaturas congêneres, são todos frutos podres de uma mesma raiz adoentada, denominada mau cidadão. A partir do momento em que o sujeito (ou a sujeita, porque elas, tanto quanto eles, engrossam as fileiras dessa categoria humana, infelizmente) tem, em sua essência pessoal, o vírus da má cidadania a conduzir suas atitudes, todas as manifestações sociais que decorrerem de seus atos irão se enquadrar no amplo espectro do “eucomiguismo”. Nossa sociedade está cada vez mais engarrafada de maus cidadãos, transformando a convivência social em um suplício diário.
É o mau cidadão quem produz o mau motorista e o mau pedestre. Assim como é o mau cidadão quem produz o mau vizinho, o mau aluno, o mau professor. O mau cidadão são os maus pais, as más mães, os maus filhos. Vêm das raízes enfermas da má cidadania os frutos azedos dos maus chefes, dos maus patrões, dos maus funcionários, dos maus colegas. Mas não “maus” sob o aspecto da pouca competência para tais atribuições, e sim “maus” pelo quesito ético mesmo. É a condição de mau cidadão a nascente dos rios de maus políticos e de maus eleitores, de maus profissionais e de maus clientes, e ainda de maus comerciantes e de maus empresários, de maus servidores públicos e de maus profissionais privados.
Basta olhar ao redor. Os maus cidadãos estão a dois passos, muito perto. Às vezes, dentro de sua própria casa. Pior de tudo é quando ele aparece todas as vezes em que você acessa um espelho. Reconhecê-lo, talvez, seja o primeiro passo para exorcizá-lo.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de janeiro de 2011)
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