Trinta minutos do segundo tempo. Jogo de Copa do Mundo. Quartas de final. O Carrossel Holandês fazendo suco de limão da seleção brasileira no gramado que vai se acinzentando na África do Sul. Meio-dia e meia de sexta-feira da semana passada. As vuvuzelas da vizinhança agora caladas. Dois a um para a Holanda. Um gol contra perpetrado pelo Brasil. Nós com dez, eles com onze.
Os ponteiros do relógio correndo mais do que Robinho em campo. As esperanças desaparecendo a cada apito do árbitro.
Brasileiros desesperados nas arquibancadas do estádio sul-africano. Brasileiros desesperados defronte aos aparelhos de televisão do Oiapoque a Ijuí. Brasileiros desesperados correndo atrás da bola dentro do campo. Brasileiros desesperados no banco de reservas. Brasileiros desesperados em meio aos tijolos do prédio que vai sendo erguido do outro lado da rua da minha casa. Brasileiros desesperados nas repartições. Brasileiros desesperados nos cafés e bares e restaurantes. Brasileiros desesperados em todos os lares.
O sonho do hexa se esvaindo em meio a cada toque de bola feito por pés holandeses. Kaká dá um quase cotovelaço num jogador holandês. Se pega, vai também expulso. Aimeudeusdocéu. Agora temos de buscar um gol de empate para levar a decisão para a prorrogação, vencer a Laranja Mecânica e seguir adiante. Afinal, comprei a vuvuzela recém na véspera do jogo das quartas de final, ainda queria soprar muito. Já roí todas as minhas unhas e as da esposa. Ainda há as unhas do gato, mas desespero tem limites. Será que tem?
De repente, começa a tocar o celular. Lá em cima, no escritório, no segundo andar, onde foi deixado. Minha mulher me olha espantada. O gato olha em volta, arregalado. Eu olho para o teto, estupefato. O celular tocando? Numa hora dessas?
Mas quem poderia ser?
Minha esposa, não é, ela está aqui ao lado, torcendo como todas as mulheres torcem e sofrem a cada quatro anos, nas Copas do Mundo. O gato não é, ele ainda não aprendeu a telefonar. Minha mãe sabe que eu estou assistindo ao jogo. Hoje é sexta-feira, não é dia de enviar coluna para o Pioneiro, não estou atrasado. Ninguém está trabalhando. Então quem? Quem? Quem?
Algum amigo holandês querendo me tocar uma vuvuzela, só pode. Decido não subir as escadas e não atender. Mas o celular insiste. E tem mais: recordo que não possuo nenhum amigo holandês. Quem seria capaz de estar alheio à catástrofe nacional em andamento?
Ok, ok, desgrudo os olhos da televisão, subo as escadas e agarro o surreal telefone celular que toca numa hora dessas. Faço-o movido pela mais absoluta curiosidade. Atendo e escuto uma voz conhecida falar, entusiasmada, do lado de lá:
“Oooooiiiiiiii!!! Tudo bem???? Como vão vocês aí? O que estão fazendo???”
Minha sogra!
Claro! Quem mais poderia ser?
Só mesmo uma sogra para trazer um pouco de alegria numa hora dessas...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 09/07/2010)
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