A partir do momento em que se passa a fazer parte do universo da literatura, escrevendo e publicando livros, vencendo concursos literários, assinando colunas em periódicos, começa-se a ter um contato mais intenso com as questões relacionadas ao ato de ler, principalmente durante palestras, bate-papos, entrevistas e conversas com leitores, educadores e colegas escritores. Nessas ocasiões, tenho escutado relatos impressionantes relativos ao preconceito absurdo que ainda existe em relação à leitura, proveniente especialmente de pais cujas existências são totalmente desvinculadas do objeto livro e do ritual de ler.
Não são poucos os pais que ficam apavorados, sem saber o que fazer, quando detectam que seus filhos estão assumindo aquele estranho comportamento de ficarem num canto da casa, ou enfurnados em seus quartos, com as fuças enfiadas dentro das páginas de um livro que não conseguem largar, lendo. Ficam de cabelos em pé, tanto quanto se tivessem flagrado os filhos usando drogas ou fazendo sexo sem camisinha. “Vai ficar doido lendo desse jeito”, dizem alguns. “Isso estraga as vistas”, sentenciam outros. “Ler demais faz mal”, acreditam todos. “O miolo fica mole”, matutam.
Bom, ok, tudo o que é demais é demais, concordo. Mas espera lá. Não dá para destruir todo o esforço que educadores, escolas, imprensa, escritores e agentes culturais em geral empregam em favor do estímulo à leitura, colocando toda uma formação a perder devido ao cultivo de preconceitos bobos que, infelizmente, ainda existem. Acordem, pais: seus filhos que leem são uma bênção rara, difícil de se conseguir obter nesses dias de intensos estímulos virtuais e antissocializantes. Seus incríveis filhos que leem representam a continuidade da existência de esperança no fim do túnel para toda a humanidade que ainda acredita no processo de transformação dos seres humanos para melhor.
Ler não faz mal à saúde. Ler não tem contraindicação. Livros podem, sim, serem usados sem moderação. Ler não deixa ninguém doido e nem amolece o cérebro, muitíssimo pelo contrário. Ler não transforma ninguém em ‘nerd’, mas, antes disso, instrumentaliza seus filhos a serem cidadãos completos, interessantes, criativos, preparados, transformadores, vencedores. Olhos foram feitos para serem usados (garanta luz adequada para o local onde seu filho lê). O cérebro foi criado para ser estimulado e desenvolvido com a geração de ideias, com o confronto de opiniões, com a absorção e elaboração do saber, com o uso da imaginação. Garanta atividades físicas e vida saudável ao ar livre para seus filhos, numa existência balanceada em que a literatura entre como componente integrante sem traumas e de forma prazerosa. Faça a sua parte. Ah, e de quebra, peça a seus filhos sugestões de leitura. Aprenda com eles, nunca é tarde.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro, em 16/07/2010)
Um comentário:
Esta crônica foi escrita para meu pai.
Ele é exatamente como esses exemplos que você citou.
Mas eu sou teimosa. Quanto mais ele mandava eu parar de ler, mais eu lia.
Lia escondido à noite...a luz de vela, de lanterna o que fosse.
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