Vivemos uma era de overdose de informações, em que um leque crescente de mídias disputa diariamente a nossa atenção, dando-nos aquela sensação incômoda de que já não temos mais tempo para nada, e de que a vida passa cada vez mais rápido. Tanto durante os turnos de trabalho quanto nas horas de lazer, somos alvos dos chamariscos constantes feitos pela internet, pela televisão, pelas tevês a cabo, pelos filmes nas locadoras e nos cinemas, pelo acesso fácil à música, pelas revistas especializadas em todos os tipos de assuntos, pelos jornais, pelas rádios, pela multifuncionalidade crescente de engenhocas como telefones celulares, aparelhos de MP3, MP4, MP5, notebooks, laptops, pagers, palms e assim por diante.
O acesso à cultura e à informação está tão facilitado que já não é mais possível viver uma única vida para dar conta daquilo que a tecnologia nos serve de bandeja. Podemos assistir a qualquer filme (lançamento ou clássico), podemos obter qualquer disco ou música específica, podemos ler nossas revistas preferidas pela internet, podemos assistir a fatos históricos em tempo real, podemos cada vez mais tudo e, se nos deixarmos engolfar por essa onda de possibilidades, perceberemos rapidamente que não temos condições de dar conta de tudo o que gostaríamos de consumir e de fazer, pois não haverá tempo hábil.
Frente a esse quadro, temos duas opções: frustrarmo-nos à medida em que tentamos equilibrar consumo com tempo (e retroalimentarmos assim indefinidamente nossa frustração) ou resignarmo-nos a adotar uma postura lúcida frente à situação, resgatando para nós mesmos o controle e o comando sobre o que fazermos com o tempo que temos, criando prioridades, separando joio de trigo, voltando a respirar. É para esse segundo grupo, penso eu, que os livros continuam e continuarão a ser objetos que apresentam significado e valor, permanecerão estabelecendo diálogo e prosseguirão mantendo o status de mídia cobiçável. Só não sei por quanto tempo ainda.
O gênio literário francês Marcel Proust protagonizou um resgate milimétrico da memória ao empreender a compilação de sua obra-prima “Em Busca do Tempo Perdido”, no nascer do século XX, texto que atravessa as gerações encantando os cada vez mais raros leitores que se aventuram pelas saborosas páginas dos sete volumes da saga psicológica ali retratada. Creio que o desafio que nossa raça de leitores (ameaçada pelo risco iminente de extinção) enfrenta nesse alvorecer do século XXI é justamente encontrarmos meios de resgatar o tempo não ainda perdido, mas esse que parece passar voando por entre nossas próprias biografias, domesticando-o, domando-o, desacelerando-o em favor da retomada da sensação de sabor de viver. Quero crer que um aliado crucial para esse processo é o livro.
Bibliotecas e livrarias transformam-se, ao meu ver, nessa era da velocidade absoluta, em templos dedicados ao resgate de um ritual que nos reconecta com um ritmo mais manso e ameno de vida. O ritual da leitura, em suas exigências de silêncio, concentração, introspecção e entrega é, creio, o único bálsamo possível e viável para a reconquista de um ritmo mais humano de existir. Vou morrer acreditando nisso. Quem viver lerá.
(Publicado na seção Planeta Livro da revista Acontece Sul, edição de abril de 2010)
Um comentário:
Assim fica bem mais fácil. :)
Beijo.
Rafa
Postar um comentário