O senso comum, as ideias pré-estabelecidas, os jargões, as frases feitas, os preconceitos, as verdades dos outros repetidas mecanicamente, são coisas que sempre me incomodaram e parece que têm o poder de me incomodar com maior intensidade à medida em que avanço calendário adentro. Escolho um representante desse grupo de atitudes para servir de exemplo a ser explorado na crônica de hoje.
Sinto calafrios terríveis que me sobem do dedinho do pé espinha acima até eriçar os pelinhos do meu pescoço quando escuto alguém repetir a malfadada frase “ah, eu sou uma pessoa muito autêntica, eu digo tudo o que penso, sou muito sincera”. Imediatamente meu Radar Tabajara Para Frases Feitas entra em ação e coloca em alerta todas as minhas defesas sociais. “Cuidado”, penso eu, “estamos diante de um grosso em potencial”. Ato contínuo, se comprovada a tese derivada do alerta (e quase sempre a comprovação vem rapidinho), dou um jeito de me afastar do dito-cujo “autêntico”, porque seguramente lá vem bomba. E das grossas.
Essas minhas quatro décadas - e mais o troco - de vida e de convivência com meus semelhantes me ensinaram algumas coisas, e cheguei à conclusão de que existe uma fronteira muito frágil separando a tal “autenticidade” e a tal “sinceridade” da simples permissão autoconferida para ser meramente grosso. Dizer o que pensa nem sempre é uma atitude civilizada, ou elegante, ou mesmo socialmente estratégica. Na maioria das vezes, acaba descambando, além da já citada grossura, para a mais banal burrice mesmo.
Exemplo prático que ajuda a ilustrar aquilo que até agora só se está falando em tese: um amigo convida você e sua esposa para jantar na casa dele, sábado. Você não sabe (já se pensasse um pouquinho, poderia pelo menos imaginar), mas seu amigo ficou a semana inteira elaborando o cardápio, foi ao mercado, escolheu ingredientes frescos, não economizou na compra do melhor vinho para acompanhar, deixou de lado o descanso do final de semana e passou a tarde inteira na cozinha se esmerando para oferecer-lhe um manjar inesquecível. E você, autentiquinho como gosta de dizer que é, não poupa “sinceridades” à mesa: “o arroz deveria ter ficado mais tempo cozinhando”, dispara você, com sinceridade. “Os filés fritaram demais”, emenda, autêntico. Resultado: se tivesse usado a boca para simplesmente mastigar o rango e de vez em quando grunhir um “hummm” de satisfação, certamente voltaria a ser convidado. Já faz uns dois anos e nunca mais foi chamado, não é mesmo? Pois é: viva a sua sinceridade.
O que aprendi (bem cedo, aliás), é que o exercício da elegância requer saber relevar os eventuais erros dos outros e valorizar as boas intenções. Para nosso próprio bem, sugiro usarmos mais a elegância ao invés dessa duvidosa “sinceridade” que anda pautando as posturas das gentes. Sinceramente...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, em 23/07/2010)
Um comentário:
Sinceramente, gostei. :)
Tenho horror desse tipo de frase.
"Eu sou muito tranquila, mas quando fico brava..."
"Eu não consigo disfarçar quando não gosto de alguém, sou muito transparente..."
"Se eu começo uma coisa, faço direito.."
Esses são só alguns exemplos. Também saio correndo.
Beijos.
Rafaela
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