sexta-feira, 15 de abril de 2011

Bilhões fazem pensar

Precisamos ser mais humildes em relação à importância que conferimos a nós mesmos enquanto seres individuais e enquanto espécie. Humildade significa consciência a respeito de seu real valor e significado perante a existência, e maior consciência representa libertação interior, tolerância e mais capacitação para aprimorar a convivência com nossos iguais. A humildade, analisando as coisas sob esse prisma, pode ser o mais eficaz instrumento de promoção da cidadania de que a civilização humana já dispôs. Fomentados especialmente pelas religiões e mesmo pelas conquistas científicas decorrentes do cultivo do pensamento lógico e cerebral, nós, seres humanos, temos a tendência de cultivar uma autoimagem estratosfericamente positiva a respeito de nós mesmos. Achamos que somos maravilhosos a ponto de sermos os donos do pedaço, e julgamos, entre outras coisas, ser plausível a crença de que ou somos imortais, ou viveremos em algum outro plano de existência após nossas mortes terrenas, ou reencarnaremos ou qualquer outra coisa semelhante que a divina providência (que só existe para atender às nossas vontades humanas, como bem sabemos) providencialmente providenciou para nós, esses seres tão fantásticos e indispensáveis que somos. Alta autoestima, dizem os psicólogos, não faz mal a ninguém. Porém, prepotência crônica pode levar à autodestruição. Vamos analisar uma coisinha, para fazer um pouco de água nesse canteiro de rosas filosófico em que nos embretamos. Segundo estimativas feitas pelo Population Reference Bureau, uma agência americana especializada em pesquisas relativas a questões populacionais, desde o surgimento da raça humana até os dias de hoje já viveram cerca de 107 bilhões de pessoas sobre a Terra. Usando-se como parâmetro a (super)população atual de humanos do planeta – cerca de 7 bilhões -, é fácil dimensionar que o número de indivíduos que já passeou por essas plagas é realmente enorme. Cabe tudo isso no céu, pergunto eu? 107 bilhões de pessoas se acotovelando lá entre as nuvens, engarrafando, sujando e tumultuando o paraíso? Nossa... é gente, hein? Sem falar que, desses 107 bilhões de seres, quantos deles deixaram algum sinal relativo à sua passagem pela vida? A mais absoluta maioria (99,999999%, talvez) nasceu, viveu, sofreu, sonhou e morreu sem imprimir nenhuma marca na história. Seus corpos viraram pó e sua lembrança virou fumaça. Dá no que pensar, não é mesmo? Para mim, isso tudo funciona como um bálsamo. Humildemente consciente de minha insignificância e de minha inegociável finitude, procuro aproveitar o milagre que me foi concedido e viver uma vida o mais plena possível, valorizando-a ao máximo e também a de meus semelhantes, companheiros de inexplicável aventura, respeitando-os de forma cidadã. Deveria bastar essa percepção para que o mundo fosse um lugar mais agradável e tolerante para vivermos essa tão curta, única e instigante experiência que é a vida. Se assim fosse, tenho convicção de que muita porcaria poderia ser evitada e banida de nossos noticiários. (Crônica publicada no jornal Informante, de Farroupilha, em 15 de abril de 2011)

Um comentário:

Página Virada disse...

Marcos!

Grande texto! A maioria das pessoas se dedica apenas a existir, a deixar o tempo passar, a fazer besteiras e se preocupar com futilidades. Poucos vivem de fato, e poucos conseguem fazer algo significativo no curso de suas vidas.

Um abraço
Guilherme