Meu corpo não possui o mesmo
ritmo alucinado que identifico no clima da região em que moro, a saber, a Serra
Gaúcha. Não tenho essa rapidez toda em me readaptar de acordo com a súbita alternância
extremada de temperaturas, que seria conveniente para a saúde. Meus processos
pessoais de degelo e de superaquecimento são excessivamente lentos, o que
costuma me causar complicações no cotidiano, como é de praxe, em eu sendo
insistentemente eu mesmo.
No degelo, por exemplo, sou um
mamute. Se está frio, muito frio, e ando para lá e para cá plenamente rocambolado
dentro de blusões, casacos e sobretudos, não consigo, já no dia seguinte,
quando a manhã nasce surpreendentemente ensolarada e quente (coisa que só os
meteorologistas sabiam mas não contaram para ninguém), os termômetros saltando
de trampolim de 4 graus centígrados para 31, não tenho a destreza necessária
para me desfazer de imediato de todos os blusões, de todos os casacos e das
mantas e dos sobretudos e dos capotes e dos palas e das luvas e dos gorros e
das ceroulas. Não, eu sou mamute, sou bem mais lento.
O que acontece então? Ora,
acontece de lá vir o Marcos, descendo a ladeira da Sinimbu, naquele calor todo
de torrar minhoca no asfalto, embrulhado dentro de um sobretudo, suando bicas.
O Marcos e sua pastinha, mamute sendo degelado à força nos cruzamentos da Praça
Dante. Eita, quadro! Nem Salvador Dalí imaginaria cena tão surreal. Talvez
imaginasse se me visse na situação inversa, dois dias adiante, quando, enfim
acostumado com o retorno do calor, finalmente saio para a rua trajando apenas
uma leve camisa de abotoar quando, pimba... De repente, a temperatura escorrega
e desce o morro da Vó Sovelina, despencando para dois, três graus, e eu ali,
praticamente de chinelo de dedo e bermuda, de novo na Sinimbu, a tiritar de
frio como um camelo encerrado dentro de um iglu.
Isso sou eu, o inadaptável. Eu,
aquele do termostato interno quebrado. Eu, o pinguim desavisado que acredita
nas previsões da meteorologia. Eu, o habitante da Serra Gaúcha que, apesar de
tudo, gosto daqui especialmente por saber que jamais morrerei de tédio
climático. De choque térmico, pode ser, mas de tédio, jamais.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de agosto de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário