Dia desses terminei de ler uma
coletânea de contos do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904), um dos
autores universais que melhor soube retratar a essência da alma humana a partir
de um estilo direto de escrita, desprovido de enfeites. Curto e certeiro,
poder-se-ia dizer, e digo-o, então. Deparei-me ali, naquelas páginas, em meio
às três dezenas de breves histórias selecionadas, com aquele que se configurou
aos meus olhos como o mais triste conto que eu já li em minha vida. Não porque
a história seja triste em si (e ela o é, de fato), mas devido à sensação de
profunda tristeza que causou em mim.
Trata-se de uma historinha
curtíssima, de apenas três páginas, intitulada “Pamonha”, na qual certo senhor
abastado decide chamar ao seu escritório a governanta da casa, a fim de acertar
com ela as contas após dois meses de trabalho. Tímida e assustada, a mocinha
entra nos domínios do patrão e põe-se a escutar o homem elencar uma lista de
motivos inverossímeis pelos quais vai descontando aviltantemente os valores que
lhe deveria pagar. Para começo de conversa, ele parte de uma soma inferior ao
que havia sido anteriormente combinado para ser paga por mês, e vai inventando
descontos, frente aos quais ela quase nada retruca, encolhendo-se na cadeira,
sumindo diante da tremenda injustiça que as páginas escancaram.
“No dia dez de janeiro, a
senhora levou emprestados de mim dez rublos...”, segue o facínora, subtraindo e
subtraindo. “Eu não levei”, murmura a governanta. “Mas está anotado aqui!”,
retruca o patrão. “Está bem, seja...”, conforma-se ela mais uma vez, e a
angústia da explorada encontra eco na raiva que vai possuindo o leitor, tão
impotente do lado de cá das páginas quanto a indefesa personagem de papel. Ao
final, o pagamento que deveria ser de 80 rublos resume-se a míseros 11. E ela
os aceita.
É quando então o patrão
indigna-se contra a passividade da empregada frente à exploração a que estava
por ele sendo submetida, e revela ter aquilo tudo não passado de um truque: na
verdade, ele paga-lhe direitinho os 80 rublos e manda-a embora, com o conselho
de que “não seja mais tão pamonha”. Afinal, conclui o personagem, “é fácil ser
forte neste mundo!”. Fácil explorar e fácil deixar-se explorar. Triste e
verdadeiro mundo, tão bem traduzido por Tchekhov.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de maio de 2015)
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