Sábado, duas horas da tarde.
Conduzo o automóvel pelas ruas da cidade, cansado após horas de périplo
solucionando demandas. Muita fome. Minha esposa saca o celular e descobre que a
Hamburgueria Xis está aberta e, melhor, permanecerá atendendo ininterruptamente
o dia inteiro. É para lá que vamos, afinal, muita, muita fome.
Chegamos. Entramos. Escolhemos
mesa. Trocamos de mesa. Recebemos os cardápios. Muita, muita, muita fome.
Escolhemos o que nos apetece. Chamamos o garçom. Fazemos o pedido. Chegam as
bebidas. Esperamos e conversamos. Pouca gente no estabelecimento, afinal, já
são duas e meia da tarde de sábado, toda a Caxias do Sul já almoçou, exceto
nós, que estamos com muita, muita, muita, muita fome, mais aquele casalzinho
que chega depois e senta perto, talvez nem com tanta fome assim.
Conversamos mais um pouco. Ela fala
coisas às quais eu procuro dedicar atenção, porém, como estou com muita, muita,
muita, muita, muita fome, tenho dificuldades em focar os sentidos na narrativa,
já que todos eles se voltam para o vazio que se avoluma em meu estômago. Sempre
que sinto muita, muita, muita, muita, muita, muita fome, passa a me assolar uma
espécie de transe que só ameniza depois da primeira mordida. E eu estava com
muita, muita, muita, muita, muita, muita, muita fome mesmo.
A demora na entrega de nosso
pedido, no entanto, não condizia com o escasso movimento na hamburgueria. Os
lanches já deveriam ter sido entregues há muito tempo, quando o casalzinho ao
nosso lado recebe os deles e se colocam animadamente a devorá-los. “Pronto,
esqueceram de nós”, anunciei. Peguei a comanda e fui ao caixa, reclamar da
demora. De fato, alguém se atrapalhara no processo e nosso pedido havia ido
para as cucuias. Feita a reclamação, não demorou dez minutos para que
estivéssemos, enfim, devorando nossos hambúrgueres e saciando a famigerada
fome.
Na hora de pagar, a surpresa:
não houve jeito, a gerente estava irredutível em sua decisão de não nos cobrar
pelos lanches. “Cobrarei somente as bebidas. Afinal, o que atrasou foram os
lanches”. Argumentei que erros acontecem, estava disposto a pagar a conta toda,
sem problemas. Não teve jeito. Ela estava determinada a se redimir e fidelizar
os clientes. Definitivamente, conseguiu. Ela tem a raríssima fome do bom
atendimento.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 30 de julho de 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário