Eu não sou daqui e esse
irremediável aspecto de minha biografia às vezes me coloca em saias justas
frente ao desconhecimento de algumas nuances típicas da cultura regional. Por
exemplo: sempre levo petelecos na orelha quando me ponho a elogiar a sopa. Eu
nunca acerto. É uma loteria de apenas dois números e eu sempre aposto no
errado. Quando digo “slurrp, que maravilhosa essa sopa de capeletti”, logo levo
um xingão da nona que fez a sopa: “não é de capeletti, é de agnoline, toseto”.
Na vez seguinte, mando bala com segurança e arremeto, com uma colher numa mão e
uma fatia de pão de forno na outra: “slurrp, mas que delícia essa sopa de agnoline”,
e pá, levo outra da outra nona: “ma che agnoline o che, neno, isso é sopa de
capeletti, non tá vendo?”.
Pois é, então desisto. Não de
tomar as sopas, que adoro. Desisto é de tentar diferenciar agnoline de capeletti
que, para mim, trata-se de absolutamente a mesmíssima e saborosa coisa. E che
bela cosa, han? Mas mesmo assim, uma alma de repórter investigativo não desiste
nunca e, apesar de minha prudente retração na hora dos elogios ensopados (minha
avó já me aconselhava a não falar de boca cheia, pois bem feito para mim),
decidi investigar a fundo a origem dessa celeuma.
Não vou revelar as fontes, mas
minhas pesquisas andam indicando que a origem do problema remonta à região de
Verona, na Itália, lá pelos idos da Idade Média. Havia duas famílias rivais que
produziam massas para consumo. Uma delas, liderada por uma tal Julieta, fazia
chapeuzinhos de massa recheados com carne bovina ou de frango, servidos em um
caldo temperado, e os chamava de capeletti. Outra família, capitaneada por um
Romeu, produzia chapeuzinhos de massa recheados com carne bovina ou de frango,
servidos em um caldo temperado, e os chamava de agnoline. As duas famílias se
odiavam por mais outros motivos relativos a um obscuro caso de amor que,
séculos mais tarde, parece ter sido retratado nos palcos por um dramaturgo
bretão, mas isso nada tem a ver com o nosso caldo.
Enquanto não desvendo todo o
mistério, sigo sorvendo faceiro meus pratos fundos de agnolettis e capelines,
especialmente nesses dias gelados, e as nonas que perdoem minha ignorância
antes que isso se transforme em tragédia.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de julho de 2013)
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