Sim, sim, é verdade, eu aprecio
um bom vinho. Em minha vivência de já mais de vinte anos aqui na Serra Gaúcha,
aprendi a refinar o paladar para melhor detectar as surpresas sensoriais que
afloram do contato com o líquido tutelado por Baco. Fiz cursos de degustação no
Vale dos Vinhedos, viajei à França com grupo de jornalistas para visitar
algumas cantinas instaladas nas tradicionais regiões viníferas daquele país,
consumi literatura especializada, bochechei os mais variados varietais.
Por pouco não me transformei em
um enochato. Felizmente, já faz tempo que tirei das costas a obrigação de
transformar meu ato de apreciação de um vinho em um rito de iniciado, repleto
de observações organolépticas (a própria palavra é intragável) que, a bem da
verdade, nublavam com seus conceitos (e pré-conceitos) o simples prazer do
usufruir, que percebi só conseguir obter a partir de uma postura mais
descompromissada (até porque, cá entre nós, nunca consegui detectar toques de
manjericão e de nozes em uma taça de merlot). Essa percepção relativa ao
descompromisso da fruição serviu também para ressignificar minha relação com
diversos outros aspectos de minha vida, tornando-a um pouco mais dócil, simples
e prazerosa.
Dessa forma, sigo sendo, por
exemplo, um leitor contumaz, mas minhas leituras não obedecem a nenhum método a
não ser aquele ditado pela vontade do momento. Leio por puro deleite e, ao
fazê-lo, me informo, cresço e me transformo sem dor. Sigo sendo um viciado em
filmes, mas os assisto sem obrigações de nenhuma natureza e deles exijo apenas
que sejam competentes na proposta que apresentam: se comédia, quero rir à
larga; se terror, quero morrer de medo; se drama, que me suscite reflexões; se
desenho animado, que me encante; se água-com-açúcar, que me arranque lágrimas escondidas;
se policial, que prendam o bandido; se de ação, que dizimem metade do elenco de
apoio; se de suspense, que me surpreenda no final. Só isso e nada mais.
Não preciso dar discurso
iniciático frente a uma tacinha de carmenère, não preciso assistir só a
filmes-cabeça, posso estar sim a fim de ler um best-seller e de dançar ao som
de um bate-estaca. Deixei de cobrar satisfações e coerências de mim mesmo.
Resultado: minha balança astral indica o sumiço de uns 300 quilos de sobre meus
ombros...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 29 de julho de 2013)
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