Dia desses recebi uma multa de
trânsito. Para poder escrever esta crônica, sou obrigado a admitir, caro
leitor, que cometi uma infração e que sou culpado. Não deveria, eu sei, mas
aconteceu. Passei a 67 km/h em um trecho no qual só poderia trafegar a, no máximo,
60 km/h. Distraí-me, voei as tranças acima do permitido e a lombada eletrônica
deu-me no lombo. Paciência. Paga-se e procura-se redobrar a atenção para não
repetir a façanha. Até aí, tudo certo.
Problema mesmo é o carteiro que distribui
a correspondência no meu bairro. Ele faz cara de brabo quando vem entregar
multa. Para receber a notificação, é preciso assinar o nome num papelzinho na
prancheta dele. Ele chega de moto, buzina na frente de casa, me espera sair
porta afora e pergunta, inquisitivo, em tom de Torquemada: “Senhor Marcos
Fernando?”. Pois sim, sou eu. Apresento-me já meio de orelha baixa, visualizo o
logotipo do Detran numa das faces do envelope e entendo tudo. “Lá vem multa”,
articulo, tentando estabelecer contato e empatia enquanto o carteiro,
compenetrado e mudo, preenche números de protocolo no formulário, a moto com o
motor ligado, barulhando defronte ao portão, fazendo questão, parece, de
anunciar a toda a vizinhança que “o senhor Marcos Fernando aí andou levando
multa”.
E pensa mais o carteiro,
enquanto escreve, escreve, escreve com a caneta Bic na prancheta. Amuado do
lado de cá da cerca, aguardo a entrega do papel enquanto escuto na alma os
pensamentos irados do carteiro: “Brincadeira esses caras, aí. Ficam cometendo
infração e depois eu é que tenho de carregar as multas deles pela cidade. Não
me interessa se é infração leve, média, grave ou gravíssima. Multa é multa. Fez
o que não devia. Não se comportou direito. Faz babada e depois eu é que tenho
de ficar trazendo primeiro a notificação para defesa e, mais tarde, retornar
aqui de novo para trazer a guia de recolhimento. Por que é que não anda na
linha? Tudo bem ter de carregar o malote com correspondência, com conta do
cartão de crédito, conta do telefone, da tevê a cabo, mala-direta, cartão de
Natal, a revista Veja, a Playboy... ah, não, a Playboy é do vizinho da frente,
mas pô... brincadeira esses caras”.
Recebo o papel, assino na linha
pontilhada e ele arranca, a moto martelando em meu ouvido as reprimendas surdas
que só eu escutei. Tenho andado direitinho desde então. Que medo que tenho
desse carteiro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de dezembro de 2013)
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