Se eu possuísse o lirismo e a
mansidão de um Rubem Braga, eu conseguiria escrever crônicas líricas que
mansamente pediriam permissão para adentrar como visitas as salas das almas de
meus leitores a fim de, ali assentadas, transbordarem para eles as pequenas
grandes coisas da existência humana que passam despercebidas a todos, menos a
um cronista da cepa dele. Se eu tivesse a cultura, a inteligência e o refinado
humor de um Luis Fernando Verissimo, produziria para meus leitores textos
hilariantes, ágeis e profundos, capazes de divertir ao mesmo tempo em que
proporcionariam, aos mais sagazes, pistas para a reflexão sobre assuntos os
mais cruciais da existência humana.
Fosse eu dotado da paixão
profunda que um Antônio Maria acalentava pelo tema do amor, seus derivados e
múltiplos desdobramentos, botar-me-ia também a redigir crônicas singelas e
saborosas, muitas vezes repletas de personagens cativantes pinçados das
esquinas da vida real e transformados em personas literárias, a fim de
compartilhar com meus leitores os questionamentos que fazemos todos nós,
humanos, que amamos amar. Quiçá fosse eu agraciado com o estilo proustiano de
longo fôlego igual ao João Bergman, formataria, a exemplo dele, crônicas
satíricas nas quais a forma da escrita abusando do uso impudico das vírgulas
causaria assombro e riso no público, que acompanharia os períodos intermináveis
só para ver no que iria dar o malabarismo maroto do autor daquelas linhas nas
quais o prazer mesmo residiria em ler o dito pela forma do dito e menos pelo
conteúdo do que ali se diria, e ponto.
Tivesse eu credencial suficiente
de sensibilidade para esmiuçar a imensidão das nuances do universo feminino,
faria coro aos textos de Lygia Fagundes Telles, Clarice Lispector e Martha
Medeiros, que escreviam e escrevem com essa força feminina tão característica e
tão profunda, capaz de arrebatar almas e pensamentos de quem for gente o
bastante para com elas respirar o sopro de vida que emerge das linhas que
tecem. E falando em sensibilidade, que textos não faria, se possuísse ao menos
alguns quilates daquela que caracterizava um Caio Fernando Abreu, um Vinícius
de Moraes, um Carlos Drummond de Andrade, um Fernando Sabino.
Mas tudo bem. Sendo o que sou,
escrevo o que posso e, pelo menos, sirvo de bandeja ao leitor uma boa lista de
dicas de leitura aptas a lhe fazerem a melhor das companhias aos meses de sol,
sal, sorvete e mar.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de dezembro de 2013)
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