“E aí, solucionou o seu
parafuso?”, me pergunta, cheio de simpatia, o frentista do posto de gasolina em
que abasteço meu carro. Primeiro, a surpresa por ele ter me reconhecido (“Ah,
aí está o cliente do parafuso”) em meio a tantos outros motoristas que conduzem
suas conduções até ali para solucionar as mais variadas demandas
automobilísticas. Depois, o constrangimento de ter de dar explicações para que
a esposa, sentada ao lado, conseguisse entender o que é que andava se passando,
uma vez que, nesses dias de estresses característicos de final de ano, ela mesma
tem desconfiado de que eu me comporto como se estivesse com um parafuso a
menos.
Na verdade, o que existe é um
parafuso a mais nessa história. Um parafuso que, não sei quando, nem onde,
muito menos como (e nem ouso querer refletir sobre o por quê), botou-se a mirar
o pneu traseiro direito de meu carro e cravou-se nele há não sei quanto tempo.
Todos sabemos (ou deveríamos saber) que a coexistência entre parafusos e pneus
não é pacífica, apesar de íntima, uma vez que o parafuso, devido à sua natureza
penetrante, não consegue reprimir o ímpeto de, sempre que em contato com um
pneu, perfurar-lhe a carne de borracha e fincar-se fundo nele, como um prego a
supliciar um crucificado, sem dó, nem piedade.
O pneu, uma vez empalado pelo
objeto pontiagudo e aparafusante, tem a tendência de ir-se esvaziando aos
poucos exatamente como a carne que sangra, e que diabos isso de eu não
conseguir represar metáforas crucificantes nessa época natalina, deixemos disso
antes que mal me entendam. Resultado: um belo dia, o motorista chega no carro e
depara com um dos pneus (o empalado, ou o emparafusado) murcho e chocho. Com o
pouco de ar que ainda lhe resta nas entranhas, dirige-se até o posto mais
próximo onde pede ao moço que o calibre de emergência e, ao fazê-lo, ele, o
moço do posto, aponta o problema: “Este pneu está furado. Tem um parafuso nele.
E deve estar ali há tempo, o ar é que foi saindo aos pouquinhos”, sentencia.
Resolvido o mistério: então foi
ali que o parafuso que eu dei de ter a menos se refugiou quando resolveu libertar-se
de mim. Quando for ao borracheiro consertar o estrago, pedirei para que me
guarde o parafuso. Minha esposa, eu sei, anda desconfiada de que posso precisar
dele para reequilibrar a quantidade dos que ela julga deveriam existir em minha
cabeça, de onde não haveria nunca de ficar com nenhum a menos.
***
Gilberto Blume retorna de férias e retoma a partir de amanhã este
espaço. Grato a ele pela confiança e aos leitores pelo prestígio.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 26 de dezembro de 2013)
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