Uma das (incontáveis) vantagens
da chegada do verão é que as pessoas param de me olhar estranho por eu estar
comendo sorvete. Verão é sinônimo de gente circulando de corpo bronzeado à
mostra, os passos cadenciados, a degustarem essa maravilha da inventividade
humana que se nos apresenta sob os mais variados formatos, cores e sabores. Eu,
que sou um fissurado por sorvete, sou-o (“sou-o”, Sr. Aurélio???,bem, que seja)
tanto que pratico o consumo da gelada iguaria sob qualquer clima ou
temperatura.
Pouco se me dá que seja inverno.
Mando bala no sorvete mesmo assim. Pouco se me dá que neve lá fora, que chova,
que haja raios e trovões, que caia granizo ou a seca grasse (”grassar”, Sr.
Aurélio? Bom, que grasse), que a neblina assalte a Serra, que os ventos se
façam uivantes. Seja como for, o que quero de sobremesa é sorvete. Sobremesa de
verdade, para mim, é “sorvemesa”, e devoro sorvete a qualquer hora do dia.
Mas confesso que me sinto assim
meio desamparado pelo fato de as pessoas deixarem de me olhar estranho quando
devoro sorvetes no verão, pois que já andava acostumado a receber olhares de
estranhamento ao desfilar de capotão e guarda-chuva no inverno pela Júlio de
Castilhos saboreando, faceiro, uma casquinha de sorvete. “Não mente, Marcos,
ninguém vende casquinhas de sorvete no auge do inverno em Caxias do Sul”, dirão
vocês, leitores incréus. “Ah, vocês não sabem de nada, seus incréus”, responderei
eu, enigmático, deixando a coisa no ar e me refugiando na dúvida que habita as sempre
providenciais reticências de final de parágrafo...
É certo que as pessoas continuam
tendo um desfiladeiro de razões para me olharem estranho mesmo que eu não esteja
consumindo sorvetes no inverno, mas sim no verão, como todo mundo. Mas o fato é
que, no inverno, fica mais fácil detectar a razão do olhar estranhado dirigido
a mim quando sei que ele se dá pelo fato de eu estar a lamber casquinha de
sorvete sob aquelas temperaturas que todos bem sabem quais são. Para seguir
mantendo a coisa sob os domínios da área sorvetal, pus-me então a apreciar
sorvetes de sabores esdrúxulos, e agora desfilo garboso e bem estranho, apesar
do verão, a apreciar sorvetes de milho-verde (nham), de queijo (o melhor de
todos), de melancia, de maçã-verde, de amendoim... Afinal, ficaria muito
estranho, de uma hora para outra, deixar de ser estranho.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de dezembro de 2013)
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