quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Um poema, um vinho, um som

O que faz de um poema um bom poema? Quais elementos precisam estar presentes nos versos para que ele seja classificado como poema “bom”? E quais as ausências que o condenam à queda para a categoria de “mau” poema, ou de “poemeto de terceira”? Se o poema se pretende “lírico” ou “romântico”, exigiremos nele interjeições como “oh”, “ah”, e palavras como “lua”, “amada”, “alvura”? E se concretista, vamos querer que seja cinzento e comporte construções cacofônicas e substantivos concretos como “tijolo” e “cimento”?
É simples assim ou o furo será mais embaixo? Façamos alguns paralelos, porque, às vezes, é mais fácil compreender as coisas lançando luzes a situações similares. Tentemos. Música, por exemplo. Como diferenciar música “boa” de música “ruim”? Ora, não podemos incorrer na ingenuidade de defender estilos, uma vez que gênero musical é questão de gosto pessoal. Mozart, se inquirido sobre isso, diria que, para ele, música boa é a dos Beatles, assim como Lennon e McCartney jamais se esquivariam de afirmar a qualidade da música de Beethoven e de Chopin.
Você poderia dizer que música boa, cara, é a do Coldplay e pronto. Mas, mesmo assim, você admite que, dentro da listagem das músicas deles, existem aquelas que você adora, acha geniais, mas há também as medianas e, até, duas ou três bem ruinzinhas. Definições que outro fã do Coldplay refutaria, classificando como “ótimas” até mesmo as que você julga “ruinzinhas”. E aí, como é que fica?
Se quiséssemos ser mais elegantes, abordaríamos essa sinuca filosófica irrespondível evocando um tema mais complexo. Organolepticamente complexo, para sermos mais exatos (e mais complexos). O vinho. O que é vinho bom? O que é vinho ruim? Meus amigos lá de Uvanova, apoiados por meu avô, defendem que vinho bom é o de garrafão, colonial, “feito de uva e sem química”. Já eu, aqui, gosto de desarrolhar uma garrafa com 600 mililitros de química malbec argentina, ou de química carmenére chilena.

Daí, pergunto: cadê a boa poesia? Cadê a boa música e o bom vinho? Bem, uma vez que não há decretos, ouçamos, degustemos e leiamos o que nos faz felizes.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 23 de outubro de 2014)

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