O que você faz quando sua esposa
chega perto com aquele jeitinho que ela costuma empregar quando deseja alguma
coisa de você, e que você bem sabe que, por mais que a princípio rosne e
esperneie, acabará fazendo exatamente aquilo que ela queria, do jeito como ela imaginava,
no momento em que ela determinou? O que
você faz? Ora, você faz o que ela quer, óbvio, sabemos disso muito bem vocês e
eu, maridos, namoridos, namorados, noivos, homens, enfim.
Se ela, por exemplo, inventa de
querer pendurar um quadro na parede, como ontem, então, não tem jeito. Por mais
que você esteja ali, acoplado ao sofá da sala, os carpins pretos enluvando
aconchegadamente os pés que repousam sobre o pufe, os olhos passeando pelos
títulos do jornal do dia, a respiração sincronizando ao ritmo do acalanto do
universo e quase entrando em nível alfa, não terá jeito: em questão de minutos,
você irremediavelmente estará lá perto dela, as fuças roçando a parede lisinha
e imaculada que ela teima em querer que você fure, suas mãos portando a
furadeira que tão tranquilamente dormitava há meses dentro da caixa de
ferramentas debaixo da cama, o cérebro tentando adivinhar onde diabos você
meteu a broca número seis, que é a que casa com o parafuso, mas que solução
encontrar se todas as buchas que lhe restam são as de número oito? O que você
faz?
Ora, você faz o que ela quer. Você
dá um jeito. Não interessa se é cedo demais, se é tarde demais, se você preferiria
deixar essa função toda para o final de semana. Não. Ela quer um furo ali, e
não um furo qualquer, isso você também sabe muito bem. Precisa ser um furo
daqueles que ela diz que só você saber fazer, porque isso é uma das armas milenares
e secretas das mulheres para obterem de você o que elas desejam: elogiar em
você habilidades inimagináveis que só elas veem, para convencê-lo a quê? A
fazer o que elas querem que você faça!
E o que você faz? Bom, você faz.
Você apenas faz. Está lá, então, o furo na parede, só que ninguém o vê. Ela
tacou-lhe um quadro em cima dele. O quadro, claro, não fui eu quem pintou. Mas
aquele furinho ali atrás, gente... Ah, aquilo é obra minha, né, amor?
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de outubro de 2014)
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