A culpa toda é do coração duro e
frio de Estela, que se recusa a amar e desdenha a quem por ela professe amores.
Estela, tão bela, tão encantadora e, ao mesmo tempo, tão terrível, com sua
indiferença atroz, seu olhar de geleira que não se comove um pingo sequer
frente às mais devotadas e fervorosas intenções de Pip, o apaixonado Pip, o
desventurado Pip, que tanto a ama.
Ah, Estela, você não merece a vastidão
desse amor, que tão poeticamente se traduz na súbita declaração desesperada de
Pip: “Esquecer você? Você é parte da minha existência, parte de mim mesmo. Você
estava em cada verso que eu li, desde que aqui vim pela primeira vez, aquele
garoto rude e comum que você, já naquela época, magoava tanto. Você, desde
aquela época, esteve em todas as minhas perspectivas... no rio, nas velas dos
navios, no brejo, nas nuvens, na luz, na escuridão, no vento, nos bosques, no
mar, nas ruas. Você foi a encarnação de todas as fantasias bonitas do meu
pensamento. As pedras que formam os edifícios mais fortes de Londres não são
mais reais, ou mais impossíveis de serem deslocadas pelas suas mãos, do que sua
presença e influência em mim, em todo lugar, para sempre. Estela, até a hora em
que eu morrer, você não tem escolha. Você vai ser parte do meu caráter, parte
do pouco que há de bom em mim, e do que há de mal. Mas, ao nos separarmos, eu
sempre irei associá-la com o bem, e é assim, com toda a lealdade, que sempre
pensarei em você, pois você foi, para mim, mais um alento do que um desalento,
e agora deixe que eu sinta toda a minha dor. Que Deus a abençoe! Que Deus a
perdoe!”.
Barbaridade, Estela! E nem
assim, hein, Estela? Puxa vida! Fechei o livro depois desse arrebatador golpe
de alta literatura proveniente da pena de Charles Dickens (1812 – 1870) nas
páginas de “Grandes Esperanças” e recostei a cabeça no espaldar do sofá da
sala, já altas horas da noite, para refletir sobre as inconstâncias do amor e
as motivações tão humanas dos personagens. Meus olhos passearam pelo teto da
sala e repousaram sobre o lustre... Minado de pontinhos pretos! Puxa, o lustre
da sala, repleto de insetos mortos em seu interior! Melhor seria nem ter visto.
Amanhã terei de tirá-lo e limpá-lo. Arre! Tudo culpa desse coração de pedra de
Estela!
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