Convido o leitor e a leitora a
embarcarem comigo em uma máquina do tempo que vai nos transportar para esta
mesma data de 21 de março, porém, 96 anos atrás. A viagem é segura e seremos
apenas observadores invisíveis e privilegiados de fatos da vida comum que, ao
final, ganharão significado histórico e simbólico, pois concorreram para o
surgimento de um mito. Todos a bordo? Vamos lá!
Os instrumentos de nossa máquina
do tempo estão ajustados para nos desembarcar aqui na região mesmo, na Criúva
de 1919, hoje distrito de Caxias do Sul, mas, naquela época, pertencente ao
município de São Francisco de Paula. É domingo e o silêncio típico que envolve
o pequeno povoado só é quebrado pelo suave barulho que uma leve brisa provoca
ao passar pelas folhas das árvores nesta entrada de outono. Em uma casa na
Linha Boqueirão, afastada alguns quilômetros do centro da vila, o final da
tarde fica agitado devido aos espasmos finais de uma bela e frágil moça de 26
anos incompletos, que agoniza em seu leito de morte devido à tuberculose que há
anos a maltrata. Ela tosse, percebe que está no fim, diz suas palavras finais,
morre e entra para a história da literatura caxiense e porto-alegrense. Seu
nome é Vivita Cartier.
Dali em diante, os outonos em
Criúva não mais veriam a jovem poetisa tuberculosa, que se vestia de branco, a circular
pela região costurando de volta nos galhos as folhas das árvores, em um ato
simbólico de preservação da vida, essa mesma vida que se esvaía a cada nova tossida
a lhe sacudir o peito. Mesmo assim, ela segue sepultada até hoje em Criúva, no
cemitério de Pontão, em um túmulo adornado com flores por moradores que se
esforçam em manter viva a sua memória. Vivita é patrona da cadeira 11 da
Academia Caxiense de Letras e da cadeira 21 da Academia Literária Feminina do
Rio Grande do Sul. Deixou poemas esparsos em jornais e revistas da época e
nunca publicou livro.
Sua vida e a de seus parentes
diretos, no entanto, foram repletas de poesia, romance, ação, aventura e
tragédia. Elementos que vão se eternizar em livro na biografia que este
cronista está escrevendo, a ser publicada em breve. Nossa máquina do tempo nos
traz de volta ao outono deste 2015, com a certeza de que a vida se eterniza no
cultivo da memória, como folhas caídas recosturadas nos galhos das árvores,
como fazia a poetisa. (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de março de 2015)
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