Descobri, ao longo de décadas de
experiências e de reflexões pessoais sobre o que me acontece nessa trajetória
aqui na Terra, que um dos segredos da felicidade na vida é a gente aprender a
se contentar com aquilo que se tem e não se frustrar em demasia com o que não
se tem. Vou dar um exemplo claro, utilizando a mim mesmo como modelo, como
gosto tanto de fazer, se é que já não perceberam.
Sou um aficionado pelos Beatles,
esses quatro músicos de Liverpool que, por sinal, foram justamente relembrados na
última sexta-feira, dia 7 de fevereiro, pela passagem dos 50 anos da primeira
aparição ao vivo do grupo na televisão dos Estados Unidos, fato que originou a
beatlemania mundial e alçou a fama do conjunto a todas as partes do planeta.
Encantam-me a música deles, a sonoridade dos arranjos, a competência na
composição das letras, das melodias, do uso dos instrumentos, as harmonias
vocais, a proposta artística e por aí afora. Zero à esquerda que sou na arte de
produzir sons que não sejam os involuntários, eu poderia ser um frustrado de
carteirinha por não saber tocar como os Beatles, por não conseguir cantar com a
voz rasgada de John Lennon, por não conseguir compor canções encantadoras como
as de Paul McCartney, por desconhecer o processo de criação de riffs de
guitarra que caracterizou George Harrison, por não possuir sequer indícios do
carisma de Ringo e de sua capacidade de, na maturidade, transformar-se em um
competentíssimo compositor de música pop que seus anos enquanto Beatle sequer
indicavam.
Mas não, nada disso me frustra.
Primeiro, porque tenho o privilégio de possuir ouvidos que me permitem acessar
suas músicas, e depois, por ter sido contemplado por um gosto estético que me proporciona
apreciá-los dessa maneira que tanto me dá prazer. E tem mais. Apesar de não
cantar como os Beatles, não tocar como os Beatles, não compor como os Beatles,
não ter a fama e a fortuna dos Beatles, eu, pelo menos, tenho os gambitos
iguais aos dos Beatles!
Não vou mostrar-lhes, leitores,
vocês precisam se resignar a acreditar naquilo que escrevo aqui, mas lhes juro:
tenho os gambitos dos Beatles! Minhas pernas são compridas, alvas, finas, secas,
esqueléticas, iguais às de John, Paul, George e Ringo. Tivesse eu nascido em
Liverpool no início dos anos 1940, vocês hoje talvez estivessem curtindo
geniais composições da dupla Lennon/McKirstney. Só de sonhar isso, já me
contento.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 8 de fevereiro de 2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário