Somos aquilo que somos, somos
aquilo que pensamos, somos aquilo que comemos, somos aquilo que dizemos, somos
aquilo que lemos, somos aqueles com quem convivemos, somos o que compramos e o
que deixamos de comprar, somos aquilo que desejamos, somos aquilo que sonhamos,
somos a forma como reagimos e nos comportamos, somos o lixo que produzimos,
somos as músicas que escutamos, os filmes que assistimos, as viagens que
fazemos, os ídolos que cultuamos, somos as roupas que vestimos, o jeito como
andamos, as coisas que fazemos e deixamos de fazer e somos, principalmente,
queiramos ou não, a forma como os outros nos veem. Aí, meu amigo, é que a porca
pode torcer o rabo, a vaca ir reto para o brejo, o parafuso apertar.
Dia desses, por exemplo, tive de
comparecer a um velório. Estacionei nas proximidades da capela mortuária onde o
corpo estava sendo velado, saí do carro e fui andando. Quando já subia os
degraus da escada de acesso ao prédio, um menino de cerca de dez anos de idade
que perambulava ali fora me abordou, perguntando se eu era o padre. “O senhor é
o padre?”, inquiriu ele, me olhando nos olhos. “Não, não sou”, respondi,
seguindo em frente e sendo cravejado de alto a baixo pelo olhar desconfiado do
garoto, que não se convenceu com a minha negativa. “Padre mentiroso”, deve ter
ficado pensando ali, mal, de mim, que, no mínimo, padre é que não sou, por
certo.
Não sou, mas pareço. Ao menos,
pareci aos olhos do garoto. O que viu ele em minha figura caminhante que o
conduziu à quase certeza de que eu encarnava o padre que ele e a família
estavam esperando? Tenho jeito de padre? Porte de padre? Confiabilidade
irradiante de padre? Voz de padre? Ele só escutou minha voz depois de ter feito
a pergunta, mas, ao escutá-la proferindo a negativa, foi aí que talvez tenha se
convencido de que eu era padre mesmo. Pode ser que eu não fosse o padre que ele
estava aguardando, por isso, deixou-me ir, mas que eu era padre, ah, isso eu
era, ficou ele ali, matutando.
Pelo sim, pelo não, imagino que seja
positivo andar por aí portando a credibilidade de um padre, reconhecível à
distância apenas pelo contato visual. Certa vez, nas proximidades da Câmara de
Vereadores, fui apontado por um menino que visitava o Legislativo com sua turma
de escola, dizendo: “Olha ali, galera, um vereador”! No meu íntimo, quero crer
que fui confundido com vereador e com padre exemplares.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 18 de fevereiro de 2014)
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