Não tem dia em que o
caminhãozinho não passe pelas ruas do bairro onde moro, alternando buzinadinhas
de aviso com a voz que, pelo alto-falante instalado sobre o capô da cabine,
anuncia, ao vivo, os predicados inigualáveis das melancias que carrega e oferta
à vizinhança. “Olha a melancia... biiip biiip biiiip... ooooolha a melancia!
Biiip... biiipp... Olha a melancia deliciosa e barata!”. E assim segue durante
horas em sua interminável ação publicitária direta, cuja performance meus
ouvidos vão detectando à medida em que o som se distancia ou se aproxima de
onde moro, revelando que o trajeto praticado é serpenteante, um vai-e-volta
contínuo por quadras e esquinas ao sabor da intuição do motorista.
As melancias visitam nosso
bairro normalmente na parte da manhã. À tarde, as ruas são percorridas pela van
dos picolés. “Olha o picolé geladinho! Três picolés de creme por um real ou
cinco picolés de frutas por um real! Olha o picolé! Picolé bom e barato! Três
de creme por um real ou cinco de frutas por um real”! Confesso que, nesses
recentes dias de temperaturas de forno de micro-ondas que vivenciamos aqui na
cidade, flagrei-me diversas vezes tentado a sair correndo prédio abaixo para
capturar o “homem do picolé” e experimentar pelo menos a oferta dos três de
creme por um real. Fui impedido pela desconfiança de que o elevador não me
ofereceria a agilidade necessária para me colocar ao rés do chão em tempo hábil
de ainda encontrar a van pelas imediações do prédio, e não estava em meus
planos sair perdendo as chinelas pela rua me descabelando atrás do picolezeiro,
respingando moedas pela calçada. Já passei dessa fase.
O interessante é detectar que,
apesar de envelhecermos e mudarmos de fases, algumas coisas que remontam ao
passado persistem vivas e ativas no mundo moderno, como esses vendedores que
anunciam seus produtos em alto e bom som diretamente ao público. Na Ijuí de
minha infância, havia os meninos-picolezeiros, com suas caixinhas de isopor e as
gaitinhas de boca por meio da qual anunciavam o produto gelado que tanto
cobiçávamos. Em Santa Maria, nos tempos dos estudos universitários, havia o
velhinho que estacionava sua Variant no centro da cidade, abria o porta-malas transmudado
em prateleira de livros e gritava, à nossa passagem: “oooooolha a boa leituraaa”!
Em nome da nostalgia, talvez amanhã eu desça e capture uma melancia...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 21 de fevereiro de 2014)
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