Quais e quantos elementos
integram o seu kit de felicidade plena? Qual o tamanho desse kit? Ele é básico
ou complexo? Fácil ou difícil de ser alcançado? Ou impossível? Ou inesgotável?
De que você precisa para sentir-se pleno na vida? Muito dinheiro? Três carros
na garagem? Um carro novo a cada ano? Viagens internacionais? Cem mil amigos
nas redes sociais? Trocentas mil curtidas nos vídeos que posta? Fama,
reconhecimento e tapinhas nas costas? Você quer em dobro tudo aquilo que deseja
para si mesmo? E ainda mais? Sempre mais? Qual a sua capacidade de sentir-se
satisfeito?
Isso é coisa de foro íntimo, eu
sei. Não tenho nada que ficar constrangendo ninguém pela aí. Porém, na condição
de cronista mundano, espera-se que de vez em quando eu dê alguma cutucada em alguma
coisa, como essa. Pois vamos aos cutuques. Para tanto, precisamos nos
teletransportar para a Europa de abril de 1945, a Segunda Guerra Mundial
chegando ao seu final, Hitler já morto e a Alemanha, arrasada (bem como vários
países no entorno), a um passo de se render incondicionalmente aos exércitos
Aliados. Em dado momento, um correspondente de guerra norte-americano,
acompanhando as tropas de seu país que entravam em uma pequena aldeia italiana,
encontra uma moça francesa judia que havia passado anos detida. Ela disse ao
jornalista que adoraria ir para a América, ao que ele lhe respondeu, brincando,
que podia ir com ele, pois era um americano muito rico. Ela, então, retrucou:
“Não é isso que eu quero. Só quero comida, um lar, paz e felicidade”.
O conceito de felicidade
alcançável para essa moça, que havia sobrevivido aos inimagináveis horrores da
guerra, parece prosaico e ingênuo aos nossos olhos de hoje, cidadãos do século
XXI diariamente bombardeados por apelos como a necessidade de termos um corpo perfeito,
visual de artista de Hollywood, casas imensas, carros do ano, saldos bancários
astronômicos etc. Mas, na verdade, o que ela almejava era simplesmente
recuperar a essência de ser um ser humano vivendo plenamente sua vida de
maneira civilizada. O que se configurava em “apenas” ter acesso a comida, um
lar, paz e, aí sim, felicidade. Conheço muita gente que tem isso tudo desde
sempre e, mesmo assim, é infeliz, muito infeliz. Não acho que seja necessário
passar por uma guerra para aprendermos a domesticar nossos conceitos de
felicidade atingível.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 14 de dezembro de 2015)
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