Quando eu era criança pequena em
Ijuí (e aqui estamos falando de coisas que aconteceram muito tempo atrás, lá no
século passado), havia uma musiquinha natalina cujo refrão dizia assim: “Natal,
Natal das crianças...”. Como é, minha senhora? A musiquinha continua existindo
e pode ser ouvida dentro de qualquer shopping ou centro de compras da cidade
por todo o mês de dezembro e até antes? Sim, sim, eu sei que sim. Mas é que, na
minha época, o significado da música era diferente. Explico a seguir.
Não é que na minha época o
significado da letra da canção natalina diferisse de hoje. Não. O que acontece
(acontecia) é que, naqueles meus tempos de criança, a letra da musiquinha
refletia uma verdade concreta, ao contrário de hoje, quando a canção evoca
apenas uma metáfora. Explico. Veja bem... Ou melhor, ouça bem... Melhor ainda:
leia bem... Diz assim a letra: “Natal, Natal DAS CRIANÇAS”. Sentiu a senhora o
peso ali das maiúsculas? Das crianças. Natal, naqueles meus tempos de muito
antanho, era uma celebração universal, sim; cristã, sim; para toda a família,
sim (como segue sendo hoje); porém, essa coisa de meter-lhe pacote de presente
nas fuças uns dos outros, isso era restrito às crianças. Presente de Natal era
coisa que se comprava e se dava para as crianças. Não havia isso de marmanjo
vendo-se obrigado a sair escabelado pelas calçadas da cidade atrás de
presentinho para outro marmanjo: o chefe, o colega, o marido, a esposa, o
cunhado, sogro, sogra, amigo secreto... Nada disso. Era o Natal das crianças.
Presente de Natal era sinônimo de presente para alguma criança: filhos,
sobrinhos, netos, afilhados.
Nesses tempos modernos de
obrigação tácita de aceitar e obedecer aos apelos e comandos da sociedade de
consumo, começamos até a dar ovinho de Páscoa para marmanjo, afinal, é preciso
gastar, é preciso aquecer a economia nas datas festivas. Passamos afirmando o
ano todo que idade não é documento e que podemos ser crianças com 80 anos de
idade? Bem, queremos presente de Dia das Crianças também, ué! E longa vida à
sociedade de consumo! Taí um dos possíveis aspectos positivos das épocas de
crise econômica: um convite para retomar a essência de conceitos de algumas
datas e tentar reavivar verdadeiros valores, quem sabe, trocando um simples “a”
por um “e”: menos gastos e mais gestos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de dezembro de 2015)
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