Uma folha em branco A4 repousa a
meu lado sobre a escrivaninha e, dali, me observa. De onde veio? Como foi parar
ali? Eu deveria saber, afinal, quem administra os objetos dentro de meu
escritório sou eu mesmo. Exceto, claro, nos dias em que vem a faxineira. Ontem
veio a faxineira. Deve ser por isso. De alguma forma, essa folha desgarrou do
pacote de folhas A4 que mantenho detidas no balcãozinho da impressora e a
faxineira tratou de posicioná-la ali, bem ao alcance de minha vista, e ela
agora me fita (a folha, não a faxineira, pois que veio ontem, como já disse).
Que quer de mim?
Houve tempos em que uma folha em
branco ao alcance da mão soava como um apelo irresistível para que nela eu
moldasse um poema. Ou uma tentativa de poema, pois que não sou poeta, nunca
fui. Mas houve vezes, confesso, em que tentei sê-lo e não foram poucas as
folhas em branco que manchei e estraguei com a tinta de canetas manuseadas por
essas minhas mãos inábeis para a poesia. Isso em um tempo em que folhas em
branco eram apenas isso: folhas em branco, e ninguém as chamava pelo registro
de identidade que hoje as classifica em A4, A3 e assemelhados. Hoje em dia,
caso poeta tivesse conseguido ser, ameaçaria com meus malversados versos as
telas em branco do computador, e deixaria em paz as folhas em branco. Sorte
delas.
Mas poderia, agora lembrei, dar
outro destino a esta folha em branco desgarrada e provocativa. Poderia
transformá-la em um barquinho de papel, ou, com uma ou outra dobra diferente,
em um chapéu, pois que chapéus e barcos de papel são objetos assemelhados
quando dominamos a técnica das dobras de folhas. Eu dominava essa técnica na
adolescência, com excelência maior do que a da produção de poemas. Sabia,
também, criar aviões de papel a partir das dobras certas. Sabia (pasmem) fazer
dois tipos diferentes de aviões: um mais quadrado e lento e outro pontudo,
rápido como um foguete. Vejamos se ainda o sei.
Não, não deu. Perdi a manha das
dobras. Não consegui fazer nascer da folha A4 nem um avião, nem um barco e
tampouco um chapéu. Desdobro-a e recoloco-a junto ao maço das demais folhas,
sob o balcãozinho da impressora. Haverá de servir de base para a impressão de
algum boleto de pagamento. Pelo menos, agora, uma folha em branco pode
descansar tranquila ao meu lado.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 10 de dezembro de 2015)
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