Assim como em relação às
pessoas, existem características específicas que regem o perfil de uma cidade,
uma comunidade. Tanto é assim que astrólogos são capazes de tecer o mapa astral
de um município utilizando sua data de fundação como base, como se fosse a data
de nascimento. Alguns ramos da psicologia já procuram compreender esses
aspectos que regem o perfil macro de uma comunidade para, a partir disso,
alicerçar sua compreensão de como a psiquê de seus pacientes é influenciada e
determinada pelo meio. Tem lógica.
Aqui em Caxias do Sul, por
exemplo, o epíteto “terra do trabalho” é muito significativo, indo além e bem
mais fundo do que somente um apelido simpático a uma comunidade que realmente
alicerçou seu crescimento na base da dedicação, do esforço e da labuta árdua.
Trata-se de uma verdade que se manifesta, se faz viva e direciona boa parte das
visões de mundo de parte ainda maior de seus habitantes. A ponto de, às vezes,
proporcionar o surgimento de visões um pouco deturpadas da realidade. Aqui,
apenas “ser” não basta. Também não basta “ter”. É preciso, para ser reconhecido
como ser, “fazer”. Quem não faz, nada é. Senão, vejamos o exemplo, que vem no
parágrafo a seguir.
Final de semana desses, estava
eu anfitrionando visita de parente quando resolvi apresentar a nova escultura
que adorna um dos bancos da Praça Dante Alighieri, a estátua de Beatriz, musa
inspiradora do poeta italiano que nomeia o logradouro, esculpida pela artista
plástica Dilva Conte e recentemente inaugurada. Estávamos ali ao redor da escultura
fazendo fotos quando fui abordado por um cidadão, intrigado com nossa
movimentação. Simpático e expansivo, logo se pôs a me questionar se eu sabia a
razão pela qual haviam feito uma estátua daquela moça. Respondi que sim, eu
sabia, que se tratava de Beatriz, a musa de Dante. “Sim, mas o que ela fez para
merecer estátua na praça?”, quis saber meu interlocutor. “Ora, ela inspirou a
obra maior do poeta maior da Itália”, insisti. “Sim, isso fez ele, que tem ali
o merecido busto, mas ela, ela mesma, fez o quê?”, insistiu ele mais ainda. Bom,
aí desisti.
Não adiantava insistir na
tentativa de criar ponto de convergência entre duas visões de mundo tão
distantes. O que Beatriz fez para merecer estátua? Ora, ela existiu,
simplesmente, e inspirou uma das mais belas expressões artísticas de história.
Isso, para mim, basta.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de dezembro de 2015)
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