A primeira Festa da Uva de
nossas vidas a gente nunca esquece. Bom, mas eu esqueci. Fazer o quê? Preciso
confessar com honestidade o delito memorioso que cometi, afinal, um cronista
mundano como eu sobrevive da credibilidade que angaria junto à sua massa leitora
(carbonara ou bolonhesa, prezado leitor, endeusada leitora?). Não posso
enganá-los. Urge, pois, que eu confesse, às vésperas da abertura de nova edição
da efeméride: a minha primeira Festa da Uva esvai-se de minhas memórias como o
soprar da brisa que esvoaça as folhas de um parreiral. Não lembro patavinas.
Estará (elucubram os preocupados
leitores) o mundano cronista apresentando indícios do instalar galopante de
degenerescência cerebral que conduz ao alheamento na floresta da lucidez que
até então o caracterizava? Não, nada disso. Trata-se, apenas, da dificuldade
compreensível de resgatar do fundo do baú da memória um acontecimento encalhado
em alguma rocha que permaneceu soçobrada nos longínquos tempos da infância,
época da vida tão repleta de novos estímulos que acabamos mantendo acesa
somente ínfima parcela deles (uma árvore de Natal, conchinhas de mar catadas na
praia, a voz de um bisavô tirando balinhas do bolso). A Festa da Uva que
visitei na década de 1970 (provavelmente a 13ª edição, de 1975) submergiu nesse
poço de não-memórias.
Viemos de Ijuí a Caxias do Sul
em um ônibus especialmente fretado pelo colégio em que eu estudava,
provavelmente na terceira série do primeiro grau, muitos alunos e alguns
professores. Não lembro da vinda. Não lembro da volta. Não lembro da estada.
Com esforço, um flash de poucos segundos permite um vislumbre dos gramados em
morrinhos nos quais fizemos um piquenique (de comida a gente lembra com maior generosidade).
Mas é só. Não lembro dos pavilhões. Não lembro da rainha Roxane Torelly. Não
lembro das uvas. Nem sei se essa viagem de fato aconteceu ou se é uma criação
forçada das crônicas de minha vida, uma vez que, conforme o dramaturgo inglês Harold
Pinter (1930 – 2008), “o passado é aquilo que você lembra, aquilo que você
imagina que lembra, que você se convence de que lembra ou finge lembrar”.
Repouso, então, minhas
recordações na edição de 1994 (a 20ª), a primeira que rolou desde que passei a
residir em Caxias do Sul (a partir de 1992), soberaneada pela beleza de Cristina
Briani. Essa sopra ventos recordatórios seguros pelos recantos de minha
memória. Ao menos, por enquanto...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 17 de fevereiro de 2016)
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