Muito se pode aprender
assistindo a filmes de vampiro. Eu assisto a filmes de vampiro e aprendo com
eles algumas coisas, sempre que, ao final, me ponho a refletir sobre determinados
aspectos da narrativa ou sobre as motivações dos personagens.
Dia desses andei assistindo a um
filme de vampiro interessante, intitulado “Garota Sombria Caminha Pela Noite”
(no original, “A Girl Walks Home Alone at Night”), que fez sucesso em 2014 no
Festival Sundance de Cinema Fantástico, aquele evento cinematográfico concebido
pelo ator e diretor Clint Eastwood. Rodado em preto e branco e falado em persa,
o filme é dirigido pela britânica Ana Lily Amirpour e já ganha contornos de
obra cult. A história se passa na fictícia cidade iraniana de Bad City, onde
uma bela e jovem vampira veste seu xador preto e sai à noite às ruas atrás de,
óbvio, sangue. Tem-se a impressão de que ela procura ser uma vampira boazinha
na medida em que isso é possível e viável para alguém na condição de vampiro,
ou seja, ela procura estraçalhar vítimas malvadas (como um traficantezinho que
toca o terror na vizinhança) e poupar pessoas boazinhas (como um garoto de uns
dez anos que anda de skate pelas ruas à noite até ser abordado pela morta-viva
e ver confiscado por ela o seu meio de transporte).
Certa madrugada, a vampira cruza
em uma calçada com Arash, um jovem pobre e batalhador, repleto de problemas a
resolver, o protagonista da trama. Arash acaba de voltar de uma festa à
fantasia (à qual fora vestido de Conde Drácula, vejam só), onde andou
consumindo substâncias que não deveria ter consumido e agora está doidão
paralisado frente a um poste de luz que lhe parece uma lua cheia mutante. A
vampira se aproxima e Arash se surpreende por ela ter a mão tão fria (ela é uma
vampira, Arash, está geladamente morta há séculos!). Condoído com a situação (a
seu ver, uma bela moça sozinha à noite passando frio), Arash envolve a vampira
em um longo e caloroso abraço para aquecê-la, desarmando-a e fazendo florescer
uma paixão.
O abraço quente do rapaz
desconstrói a vampira no filme. Podemos, então, refletir sobre o poder do calor
humano como instrumento a favor da transformação daquilo que destrói, daquilo
que suga, daquilo que oprime, daquilo que ataca, daquilo que não tolera,
daquilo que discrimina, daquilo que humilha e assim por diante. Nem sempre um
filme de vampiro é apenas um filme de vampiro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de fevereiro de 2016)
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