E de repente, quando menos se esperava
(até porque, uma coisa dessas nunca se está a esperar), a luz faltou em todo o
bairro no meio da tarde de uma segunda-feira. O estrondo que se ouviu ao longe,
soube-se depois pela eficiente e rápida rede de comunicações criada pelos
vizinhos nesses momentos de enfrentamento comum de adversidades, originou-se do
choque de um caminhão alto demais contra os fios de alta tensão de um poste
que, devido à ação dos ventos de ultimamente, estavam, eles, os fios, baixos
demais, e deu no que deu: ausência de energia elétrica prolongada até que a
companhia de luz conseguisse sanar o problema que, dessa vez, era dos graves.
Nesses tempos modernos de século
21, totalmente dependentes das traquitanas e dos serviços eletrônicos, ficar
sem luz, mesmo que durante o dia, representa um profundo e quase imobilizante
apagão nas atividades que o ser humano contemporâneo está habituado a
desenvolver em seu cotidiano pessoal e profissional. A sensação de orfandade,
de fragilidade, de desnudamento e de desamparo só faz aumentar e aprofundar com
o passar das horas sem que o restauro da energia se dê, trazendo o retorno
automático à vida. À vida? Essa é então nossa vida?
Será essa nossa vida ou será
aquela que, aos poucos, começa-se a detectar florescer de dentro das casas para
o ar livre, à medida em que a escuridão vai tomando conta dos aposentos com o
baixar do sol? As crianças, em férias escolares, reúnem-se na pracinha do
bairro, tirando as teias de aranha dos aros das bicicletas. Uma bola de
plástico amarela surge picando entre as roseiras do quintal de uma casa ao
lado, a dupla de irmãos se divertindo às gargalhadas a cada chute errado
desferido. Quatro meninas fazem uma roda e brincam e batem as mãos umas com as
outras, em uma brincadeira que eu imaginava extinta há décadas. Uma algazarra
viva, vivíssima, humana e nada eletrônica invade as quadras desenergizadas do
bairro. Ou reenergizadas.
Adultos começam a chegar em casa
do trabalho e não conseguem abrir os portões eletrônicos das garagens.
Automóveis são momentaneamente estacionados na rua, no meio-fio, e vão se
formando grupinhos de vizinhos conversando, se apresentando, trocando
humanidades. Logo surge uma cuia de chimarrão, transportando de mão em mão
comentários, piadas, calor humano. Já é noite. Opa, a luz voltou. Todos de
volta para suas tocas. As calçadas retomam seu habitual abandono e a vida volta
a se esgueirar para dentro de fios eletrônicos. Tempos modernos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de fevereiro de 2016)
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