sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Beijo nas Alturas


Entro no elevador no subsolo das garagens, preparado para um longo trajeto até o décimo-primeiro andar. Não durará mais do que 40 segundos, eu sei, mas sabe como são esses elevadores: cubículos estreitos, lacrados, desagradáveis, parece que concebidos justamente para que não despertem em ninguém a mais remota intenção de permanecer ali dentro uma fração de segundo sequer além do necessário. Por isso, a vontade, sempre, de que a viagem seja curta, sem paradas no meio do caminho.
Mas pronto. É só pensar nisso que o danado estaciona já no térreo, para receber vizinhos rumo a seus aposentos. As portas então se abrem e revelam as identidades de quem me fará companhia ao longo dos próximos instantes: trata-se daquele jovem casal do sexto andar, acompanhado pelo filhinho de cerca de dois anos de idade, que entra alegremente acavalado sobre o pescoço do pai. “Oi, como vão” daqui; “olá, tudo bem” de lá e eles vão entrando, ela com as sacolas de compras, ele fazendo malabarismos com o garoto, que lhe escala o corpo a ponto de ficar de cabeça para baixo um instante, a dar gargalhadas, eu segurando a porta aberta enquanto eles se acomodam, e vamos em frente.
O elevador retoma seu movimento metálico para cima, a suavidade intercalada com alguns estalos sempre perturbadores, e o silêncio entre os adultos se instala como de praxe nesses ambientes, apenas quebrado pela festa que o menino faz com o pai. Recebe mordidinhas na barriga e gargalha, olhando para mim em busca de um sorriso conivente que sua inocência induz a almejar. Sorrio-lhe de volta, embalado pela sua alegria infantil e desmedida. Desnecessário haver medidas para a alegria quando se é criança feliz em família, voltando para casa à noite com os pais, brincando dentro de um elevador na presença de um estranho.
A caixa semovente estaciona no sexto andar e abrem-se automaticamente as automáticas portas, convidando-os a saírem. Ela sai primeiro, com as sacolas, seguida pelo marido, que se despede de mim com um “boa noite” e diz ao filho: “dá tchau para o titio”. Ato contínuo, o menino leva a mãozinha à boca, tasca um beijo e o atira para mim, acertando em cheio minha alma, que não resiste e se debulha em uma gargalhada infantil como há tempos eu não dava. Espontaneidade de criança é coisa altamente contagiosa.
 (Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de setembro de 2013)

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