Diz-me teu passatempo e
dir-te-ei quem és. Lendo assim, de supetão, a frase com que inicio a crônica
hoje soa pretensiosa. Fica parecendo que possuo a capacidade sobrenatural de
definir o perfil do leitor simplesmente avaliando o tipo de atividade a que ele
se dedica para fazer passarem as suas horas de ócio. Balela. Quem sou eu para
ousar querer parecer poder tanto fazer (já viram tantos verbos no infinitivo
enfileirados juntos assim antes?). Pois, que nada!
A frase pretensiosa ali de cima
não passa de um artifício de cronista para capturar a atenção de leitores como
você, que pousou os olhos ali, leu aquilo e já se encontra aqui, quase na
metade do segundo parágrafo. Você, eu tenho certeza de que irá adiante até o
fim do texto. Fisguei-te! Agora, vamos. Pois, então: a frase de efeito ali do
início foi pensada para introduzir com certa pirotecnia o tema que desejo
abordar, que é a questão dos passatempos, essas bobagenzinhas a que nos
dedicamos quando nada de melhor temos a fazer, recursos aos quais jamais
lançaríamos mão caso deixássemos a inércia de lado e fôssemos mais criativos,
porque é óbvio que sempre haverá algo melhor para se fazer, porém, que fazer...
Um de meus passatempos atuais,
como já devem ter notado, é costurar frases quilométricas repletas de vírgulas,
como a última do parágrafo anterior, uma vez que, para isso, ainda não pago
impostos e é uma forma de verificar se tenho mesmo fôlego para escrever tanto
sem ser xingado pela minha consciência, que me parece andar meio que desligada
ultimamente, haja vista que já na sequência emendo outra frase quilométrica e
ninguém faz nada. Houve tempos em que eu apenas preenchia palavras-cruzadas. Livrinhos
impressos, os quadradinhos preenchidos a caneta, mesmo. Nada de virtualidades
computadorizadas.
O mesmo com os jogos de
paciência. Pegava baralhos físicos, dispunha as cartas sobre a mesa da cozinha
e passava horas perdendo para mim mesmo. Houve a fase dos quebra-cabeças de
500, 800, mil peças! Os modelos de armar, a coleção de selos. Mas hoje, hoje
não há mais tempo nem mesmo para os passatempos. Passou-se o tempo. E sequer
sei dizer quem sou.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 24 de setembro de 2014)
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