Ah, o valor de um chinelo velho!
Escrevi aqui, semana passada, sobre certos objetos antigos que insistimos em
manter ao nosso redor por razões afetivas obscuras que causam espanto até mesmo
a psicólogos experientes. Tentei entender o que nos motiva a manter nos pés
aquele chinelo quase furado que nos conduz pelos corredores da casa no
piloto-automático; aquela xícara com a borda lascada na qual bebemos o mais
aconchegante café da manhã todos os dias; aquele blusão repleto de bolinhas
desfiadas que, de traje social, se transformou em pijama fofinho.
Recebi e-mails de psicólogos e
também de leitores variados, compartilhando suas paixões inexplicáveis e
profundas pelas pequenas velharias de seus cotidianos que, a bem da verdade,
representam pedacinhos de si próprios, hábitos arraigados, zonas de conforto,
essas coisas. E da amiga, escritora e colega da Academia Caxiense de Letras,
Maria Angélica Graziottin, recebi o comovente relato que reproduzo a seguir:
“Marcos: É com pesar que
comunico, com extremo sofrimento, que consegui descartar meu chinelinho de
tecido floral de cor lilás. Que eu amo de paixão, já sem tecido no calcanhar,
desfiado e com o dedão cutucando e querendo aparecer embaixo do pano. Tinha em
casa um novinho em folha, branco com vermelho, liiiindo, também de tecido,
mas... não me motivava!
Mas, com sua crônica, criei
coragem, peguei na mão aquela belezura lilás e, com um esforço extremo, dei
para o meu filho e disse: ‘Podes colocar no lixo por mim?’ E lá se foi para
dentro do saco sem ele imaginar o esforço que fiz. Estou nos pés com a lindeza
do chinelo novo, branquinho, com vivo vermelho, desenhos da mesma cor, de
coraçõezinhos e uns risquinhos imitando o batimento cardíaco dos eletrocardiogramas. Provavelmente deve ser o meu coração chorando
de saudades do floral lilás. Obrigada pela força”.
Ao ler o email, sofri com Maria
Angélica a dor que ela sentiu ao decidir abandonar seu antigo e parceiro
chinelinho floral lilás. Se alguém encontrar esse chinelinho em algum contêiner
de lixo aí da cidade, mande-o aqui para casa! Meu velho e furado chinelo marrom
vai adorar conhecer a floral lilás...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 22 de setembro de 2014)
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