“Quem inventa, aguenta”, dizia o
ditado que usávamos em nossa infância, quando queríamos nos livrar de algum
abacaxi e empurrá-lo às mãos de outro coleguinha, irmãozinho, priminho. Mas o
dito também tem uso autoaplicativo, e serve como uma luva quando não temos a
quem culpar por nossas escolhas e decisões, a não ser a nós mesmos. E é assim:
inventou, tem de arcar com as consequências. Aguente.
Eu, por exemplo, que inventei de
ser cronista, agora, eu que aguente. Inventei de ser cronista e, ainda por
cima, de optar por tentar exercitar aquela espécie de texto focado nas pequenas
irrelevâncias significativas do cotidiano, nas quais o insumo básico consiste
em uma mescla de bom humor, sensibilidade, observação acurada, uso
indiscriminado das metáforas, temas para o debate nas entrelinhas, a
experiência pessoal servindo de base para a reflexão universal, essas coisas. Para
isso, tenho de buscar inspiração e assunto em tudo o que me cerca, tirando
leite de pedra quando a vaca ameaça ir para o brejo. Inventei, tenho de
aguentar.
Ontem, por exemplo, tergiversei
aqui (também uso palavras pouco usuais às vezes, para valorizar o meu passe)
sobre a importância psíquica de pequenos objetos do cotidiano como uma xícara
lascada, um blusão esgarçado e um velho par de chinelos. Mas, para quê! Bastou
isso para que agora todos os pequenos objetos que se julgam significativos aqui
de casa passassem a pensar que também devem ser vistos como tema para minhas
crônicas. E há agora uma fila deles aqui em volta do meu computador, querendo
ser citados.
Estão ali o molho de chaves da
casa, a cadernetinha onde anoto ideias, o calendário de mesa em que vou
riscando os dias, o bottom dos Beatles adquirido em Buenos Aires, o bonequinho
de John Lennon que desgarrou dos outros três parceiros lá da sala, o relógio de
bolso que era de meu avô, a pequena ampulheta com areia cor-de-rosa, a esfera
transparente que remete ao livro borgeano “O Aleph”, o canivete suíço de
trocentas utilidades, o tênis velho que está com ciúmes do chinelo de ontem, até
mesmo a almofada para carimbo.
E agora, o que faço? Inventei,
aguentarei. E dê-lhe ideia para crônica...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 19 de setembro de 2014)
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