Além do horror explícito latente
em todos os aspectos relacionados ao caso do assassinato do menino Bernardo, há
outros pontos chocantes, de horrores mais implícitos, que me perturbam. Tenho
acompanhado o caso porque me uno ao desejo geral de justiça e porque tenho a
convicção de que o fato é representativo de muitos outros maus tratos a
crianças que ocorrem em ambientes familiares de ponta a ponta no país.
Precisamos aprender com a
terrível experiência que culminou com o assassinato bárbaro de Bernardo. E o
que precisamos aprender é a escutar os gritos de socorro. Eu assisti aos vídeos
caseiros que escancaram o horror do cotidiano estabelecido entre Bernardo, seu
pai e a madrasta. São cenas fortes e tristes. O que mais me choca, no entanto,
são os reiterados gritos de socorro emitidos por Bernardo em todos os vídeos.
Bernardo gritava por socorro literalmente e também implicitamente (o tal do
horror implícito que citei antes). Mas não adiantou.
Vizinhos escutaram seus gritos.
A polícia foi chamada e apareceu na casa várias vezes. E não só isso. Bernardo
também gritou por socorro ao se dirigir sozinho até o Fórum da cidade e denunciar
os maus tratos e o abandono a que vinha sendo submetido. Também eram gritos de
socorro. Bernardo passava dias e dias fora de casa, dormindo nas residências de
amigos, onde se sentia melhor acolhido do que em seu próprio lar. Também eram
gritos de socorro. Bernardo perambulava pelas ruas, era trancado fora de casa,
muita gente sabia disso e a própria situação escancarava em si um altissonante
grito por socorro.
Ao ser dopado e morto pela
madrasta e sua amiga e ser enterrado em uma cova rasa, Bernardo não conseguiu lançar
aquele que poderia ter sido seu último grito de socorro. Nem adiantaria mesmo,
ninguém iria escutar, assim como ninguém escutou todos os gritos por socorro
que emitiu durante anos antes do trágico desfecho. O que me apavora, muito além
disso, é essa surdez que estamos, todos nós, desenvolvendo contra os gritos de
socorro, explícitos e implícitos, que podem estar sendo gerados ao nosso redor,
todos os dias, por quem sequer imaginamos. Só os detectamos quando já é tarde
demais.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 1 de setembro de 2014)
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