Quem me lê há tempos lembra que
eu tenho um amigo chamado Argentino, cujo principal traço de personalidade
consiste em ser crédulo ao extremo, especialmente em relação ao que vê na
imprensa falada, escrita, televisionada e clicada. Argentino acredita em tudo o
que lê e leva ao pé da letra qualquer notícia, atropelando entrelinhas,
ignorando metáforas. Para ele, quadrado é quadrado, dia é dia e lua é lua.
É por isso que Argentino tem
fissura por notícias sobre resultados de pesquisas feitas ao redor do planeta,
revelando descobertas inimagináveis. Agora, por exemplo, está obcecado por
arroz, desde que leu reportagem sobre pesquisas realizadas com dois mil
voluntários que se atracaram a comer arroz e, como resultado, passaram a dormir
melhor, muito melhor. Os arrozentos demonstraram ter conquistado uma qualidade
de sono superior à qualidade de sono atingida pelos outros voluntários que
comeram macarrão e pão antes de dormir. Conclusão da pesquisa: arroz produz
bons sonhos. Resultado da divulgação da pesquisa: Argentino passou a devorar
quilos de arroz por mês, na busca por uma melhor qualidade de sono.
Mas Argentino anda desconfiado
de que justamente ele encarna a exceção que confirma a regra, pois, ao
contrário do que esperava, anda mesmo é tendo pesadelos, dores de barriga e
noites mal dormidas. Já sugeri a ele que passasse a comer apenas uma singela
tigelinha de arroz antes de deitar ao invés dos dois pratos fundos de risoto,
mas ele não me escuta. Afinal, a pesquisa não cita a quantidade ideal de arroz
a ser consumida antes do apagar das luzes do quarto. Falha a pesquisa, ou falha
o redator da notícia. Ou falha Argentino, esse exagerado.
Certo é meu avô, que há décadas
dorme no chão, por acreditar que dorme melhor quem se posiciona com a cabeça
para o nascente e fica o mais próximo possível do solo. Ele habita o quinto
andar do prédio, mas segue firme dormindo embaixo da cama, de onde ninguém o
tira até o amanhecer. Fazer o que, se diz que dorme bem. E eu aqui, com
chazinho de alface, lençol cheiroso e colchão fofinho, peleando contra as
insônias...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 3 de setembro de 2014)
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