Os elementos que compõem a
sinfonia começam a se apresentar no cenário por volta das onze horas da manhã.
Para detectá-los, é necessário afastar-se das ruas movimentadas dos centros das
cidades, sejam elas grandes ou pequenas, porque, hoje em dia, até mesmo as
pequenas cidades fomentam centros nervosos, conturbados, recheados de relógios,
pressas e cotovelos.
Para encontrar os instrumentos
dessa composição, se faz necessário rumar para lugares mais mansos e lá
deixar-se estar. E aqui, é preciso também saber conjugar na alma esse verbo
“estar”, que não é um verbo passivo, mas bastante ativo quando desejamos
reacender aquela conexão que antigamente tínhamos mais afinada com nossa
própria essência pessoal.
Para isso, é preciso ir para
Uvanova, por exemplo, cidadezinha em que as casas ainda são maioria em relação
aos prédios e aos restaurantes de comida a quilo, ou para os bairros distantes em
nossas próprias cidades, onde o cenário de interior ainda rima com o passar
mais lento e humano das horas. É nesses lugares em que a gente, quando está de
verdade neles, consegue detectar o afinar dos instrumentos da sinfonia do
meio-dia que a partir das onze da manhã já se desenha.
Então, de uma janela lhe chegam
aos ouvidos o rugir de uma panela de pressão amolecendo os grãos do feijão que
alimentarão a família. Da casa da esquina ressoam as pancadas de alguém que
amacia um bife sobre a tábua de madeira. Dali do lado suas narinas são
invadidas pelo cheirinho de cebola sendo frita na manteiga. O choque do arroz
frito na panela com a água fervente que lhe é vertida antecipa a base do almoço
de logo mais. Na casa verde haverá suco de laranja, pois o espremedor de frutas
trabalha sem folga. Ali no fim da rua o cardápio só pode ser dos bons porque é
para lá que saltam das moitas os gatos e cachorros da vizinhança, a fazer coro
de olhares pidões aos pés da dona da casa.
Nada disso nos chega nos
cruzamentos das avenidas ao rumarmos para mais um almoço cronometrado no meio
do caos da cidade voraz. Metade do sabor da vida fica para trás em nossas
lembranças, ou escondido nas Uvanovas da vida, onde nem sempre nos é possível
estar estando.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 5 de setembro de 2014)
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