Dia desses, caminhando pelas
calçadas do centro atribulado de nossa Caxias do Sul, sintonizado no ritmo
apressado que pauta o andar da maioria dos cidadãos que por ali também circulam
(só por hábito mesmo, porque nem estava com tanta pressa assim), acabei
passando por baixo de uma escada que estava escorada junto a uma parede
qualquer, com a qual formava um ângulo de uns 45 graus. Alguém deveria estar
pintando a parede, ou ter subido ao telhado para instalar uma antena de
televisão, algo do gênero.
E nós, transeuntes, cruzávamos
por baixo daquela escada sem sequer pensar em desviar o rumo para o lado,
compenetrados que estávamos, cada um, em nossos próprios contextos pessoais. Eras
atrás, passar por baixo de uma escada era uma atitude impensável, porque trazia
azar. A crendice popular foi perdendo espaço para a crueza da vida moderna, na
qual o azar provém do perigo real de inventar de desviar da escada para a rua,
onde os carros cruzam acima da velocidade permitida em perímetro urbano, e
acabar indo ocupar leito na emergência dos plantões médicos, por atropelamento.
“Por que você se jogou de repente para a rua?”, as enfermeiras questionarão,
costurando mais um ponto em seu cotovelo. “Havia uma escada na calçada e eu
quis fugir do azaaaaaiii”, gemerá você, sendo costurado, mas pleno de sorte por
ainda estar vivo.
O temor de passar por baixo da
escada é apenas uma das tradições inocentes do passado que caíram em desuso nesses
emplastificados e homogeneizados dias virtuais da modernidade. Ele se soma ao
ato de pular fogueira nas noites de São João em junho; às pegadinhas
intermináveis que pontuavam as 24 horas do dia 1º de abril (Dia dos Bobos); a
procurar pelo quintal da casa os ninhos que o Coelhinho escondia para as
crianças na Páscoa; a falar na Língua do Pê pepa-pera pecom-pepar-peti-pelhar
pese-pegre-pedos peim-pepor-petan-petes e tantas outras coisas.
Sem falar na sexta-feira 13, a
temerosa conjunção eventual do calendário, que tempos atrás inspirava temores e
hoje, pelo menos, serviu de inspiração para o compromisso diário de um certo
cronista que não tem mais medo de escada e que adora gatos pretos.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 13 de fevereiro de 2015)
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