O churrasco na casa de meu avô
paterno era tradição aos domingos de meio-dia. Ao menos uma vez por mês, a
família toda se reunia lá. Eventualmente, alguém levava algum amigo. Foi um
desses amigos adultos, comensal casual em um daqueles encontros, provavelmente
cliente de meu avô, quem me chamou a atenção infantil devido a uma frase que
soltou em alto e bom tom em meio à conversa que travava com meu avô, meu pai e
alguns tios. “Eu não vivo para comer, eu como para viver”.
Não sei em que contexto a frase
foi dita, uma vez que, aos oito, nove anos de idade, eu não participava de
conversa de adultos e estava focado mesmo era na defesa do meu Forte-Apache,
que meus dois primos, manipulando os bonequinhos-índios, desferiam com
ferocidade ali no chão. Mas a frase invadiu meus ouvidos e se alojou em minhas
lembranças, provavelmente porque deve ter gravado alguma sensação dentro de
minhas primeiras reflexões de vida. “Ora (devo ter pensado, enquanto dispunha
soldados no alto da casamata para melhor alvejar os índios de meus primos), o
que esse homem está querendo dizer com isso? Será que ele está ousando recusar
e desdenhando a maravilhosa maionese de batatas que minha avó produz sempre
nesses almoços de domingo? Ou está recusando nacos do suculento churrasco
assado por meu avô? Ou não quer a cebola no espeto que meu pai sempre insere na
churrasqueira, que depois de assada vai à mesa cortada e regada com sal e
azeite de oliva?”
Independentemente do contexto em
que o personagem proferiu a frase, ela segue sendo um mantra entre as pessoas
que pretendem expressar o fato de que optaram por uma visão somente utilitária
dos alimentos, abrindo mão do prazer que eles podem proporcionar. Isso porque,
sempre que pensamos em “prazer gastronômico”, imaginamos que ele só pode ser
alcançado mediante o consumo de pratos suculentos e engordativos, desprovidos
de valores nutricionais, o que está longe da verdade. Hoje aprendi que é
possível unir as duas coisas: comer de forma saudável e ter prazer nisso, sem
abrir mão de eventuais churrascos e maioneses de batatas.
São ensinamentos que a
experiência de vida acaba nos fornecendo. Mas ainda bem que, naquele dia do
passado, mesmo tendo escutado a tal da frase, eu não descuidei em nada da
defesa de meu Forte-Apache.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de fevereiro de 2015)
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