Pois é, essa coisa de ganhar na
loteria, esse sonho esdrúxulo do dinheiro fácil que todo o brasileiro acalenta
e que parece estar ali, ao alcance da mão, em cada casa lotérica, bastando,
para concretizá-lo, acertar a canetada nos quadradinhos com os números exatos
que serão sorteados dali a alguns dias, e pimba, todos os nossos problemas
estarão resolvidos! Todos, não, porque a fortuna também traz suas dores-de-cabeça,
a começar por aqueles parentes distantes que então, de uma hora para a outra,
resolvem eliminar a distância e abrem sorrisos na porta de sua casa... quer
dizer... de sua mansão.
Meu avô que o diga! Toda a
semana ele renova suas esperanças na Megasena, na Lotomania e na Lotofácil (ele
ainda chama as apostas de “volantes”, é do tempo dos bilhetes da Loteria da Caixa
Econômica Estadual e, quando sai para a rua, informa que está indo “jogar na
Esportiva”), mas a expectativa gera nele uma angústia sem par. Não porque
acredite que realmente possa “tirar a sorte grande” (aliás, diz aqui pra mim,
você conhece alguém que tenha ganhado mesmo nesses jogos, hein?), mas porque
teme ter de pagar muitos impostos caso seja sorteado com a bolada. Sofre muito
com essa perspectiva, mas mesmo assim, insiste, uma vez que o prazer maior
reside justamente no acalento da expectativa inverossímil.
De minha parte, já faz anos que
deixei de gastar meu suado troquinho nessas coisas, primeiro por preguiça de
ter de enfrentar as filas das agências lotéricas, e segundo porque, na real,
não acredito em dinheiro fácil. Em nenhuma espécie de dinheiro fácil. Nunca
ganhei dinheiro fácil, nem mesmo na época da mesada recebida dos pais, afinal,
quem disse que ser criança não tem lá suas exigências, esforços e agruras?
Ganhar na loteria, para mim,
virou metáfora diária para o prazer de viver, que procuro renovar a cada novo saltar
da cama. Tenho prazer em estar vivendo minha história, seja o dia ensolarado,
ou chuvoso, ou frio ou quente. Ganho na loteria todos os dias por ser quem sou,
conviver com quem convivo, fazer o que faço e viver onde vivo. E nem pago
impostos por isso. Venho, assim, acumulando uma incalculável fortuna em bens
imateriais. O segredo é renovar todos os dias o bilhete premiado da vida com
ânimo e bom-humor, na medida do possível. Pronto, entreguei o ouro...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 6 de fevereiro de 2015)
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