Veja só, que bom, abriu o sol,
venha, traga as bergamotas e vamos comê-las lá fora, à beira da calçada,
encostados no muro baixo que circunda a casa, pois que o melhor sabor das
bergamotas se obtém quando desfrutadas assim, ao calor doce e manso de um
solzinho de inverno. O melhor mesmo é praticar o ritual logo após o meio-dia,
naquela curta e preciosa meia hora que ainda temos de folga antes de voltarmos
cada um a seus compromissos no trabalho ou na escola ou na casa mesmo, quando
conseguimos estar juntos celebrando o ato da vida em um prosaico encontro de
almas, ao sabor, claro, das bergamotas.
A malvadeza do frio do amanhecer
que nos fez mais uma vez desejar mandar tudo às favas e ficarmos na cama
debaixo dos cobertores já foi amainado com as horas que passamos nos
desincumbindo de nossas tarefas na primeira parte do dia, tendo a ameaça de
chutação de balde sido de novo protelada e concretizada somente no setor secreto
dos íntimos desejos jamais realizados. O sol agora se mostra amigo, acolhedor e
convidativo, como que nos chamando à sua presença para que lhe emprestemos um
pouco de nosso calor humano lá fora, ele que é obrigado a passar o inverno
inteiro ao ar livre, longe do quentume de nossas casas, dos fogareiros, do fogão
a lenha, dos aquecedores, das lareiras, dos rocamboles de cobertores nos quais
nos amarfanhamos e adormecemos rezando por sonhos quentinhos.
Esse solzinho de meio-dia no
inverno produz um calor e uma luminosidade diferentes do sol do verão, que
também desejamos, mas frente ao qual precisamos tomar precauções para evitar
consequências danosas oriundas do estender dos encontros. Nem todos os sóis são
iguais, apesar de a ciência nos jurar que bailamos ao redor de uma mesma
estrela por todo o sempre. Mas eu cá comigo, descascando essa bergamota,
sentindo respingar nos olhos o chuvisco das gotas do gomo que saltam longe ao desgrudar
da casca, cultivo as minhas desconfianças de que eles são vários, cada um com
suas características, personalidades diferentes, calores e aconchegos variados.
Não são todos os sóis: o sol,
não. Há sóis e sóis, como poderá ver se vier comigo lá fora comer bergamotas.
Como? Hoje não pode, pois está sem tempo? Ah, então esquece, tchau, vou lá
sozinho mesmo, e, depois, escrevo uma crônica.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 4 de julho de 2015)
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