“É preciso saber viver”, não é
mesmo? Quem cantava esse refrão? Titãs? Não. Quer dizer, sim: os Titãs
regravaram a música, mas a gravação original é do Roberto Carlos, aliás, autor
da letra, singela e simples, direta e genial. “É preciso saber viver”, vamos
cantarolando junto com a música enquanto o carro avança mais dois metros no
engarrafamento pós-meio-dia. Eu, com minha voz desafinada de urso acordando na
caverna após seis meses de hibernação, estrago a melodia e minha esposa
discretamente aumenta o volume do aparelho, afinal, ela preza os ouvidos e, como
diz a música, é preciso saber viver de verdade, agora sem as aspas.
O sinal abre, nenhum veículo à
frente se mexe. Por quê? Vamos lá, vamos lá, já é quase uma da tarde e ainda
estamos distantes vários quilômetros da meta. Apenas o primeiro carro da fila
avança. Alguém buzina. Outro imita. O sinal fecha. Ficamos todos parados de
novo. “Toda pedra no caminho/ Você deve retirar/ Numa flor que tem espinhos/
Você pode se arranhar”, segue a música. Aquele carro do início da fila era uma
pedra no caminho, imóvel. Não era uma pedra rolante. Saco. Mas, calma, é preciso
saber viver, porque “Se o bem e o mal existem/ Você pode escolher/ É preciso
saber viver”.
Vem o refrão de novo e eu me
entusiasmo: “É pre-eciso sa-bê vivê-êêê!/ É-é pre-e-cii-sô sa-bêê vi-vê-êê/ Sa-bê
vi-vê/ Sa-bê vi-VÊÊ!”. Minha esposa me olha estranho e faz subirem as janelas
do carro, por precaução. A motorista emparelhada ao lado no chiquérrimo Beetle
amarelo me encara, espantada. Ora, mas que gente, parece que não sabem vi-vê!
Eu me calo e foco no sinal, que abriu, de novo. “Vomo,vomo”, penso comigo,
empurrando mentalmente a fila composta por veículos dirigidos por gente com
pressa em um trânsito que não anda. De fato, não andamos sabendo viver. Aliás,
nesse trânsito engarrafado, não andamos e não sabemos viver.
Mas minha esposa sabe. Como o
trajeto diário de casa até o local de trabalho é composto por cerca de dez
quilômetros, ela está aproveitando os cerca de 20 minutos de deslocamento para
fazer a maquiagem dentro do carro, já que o chofer sou eu. Assim, ganhamos
tempo e qualidade de vida. O mundo muda, e, do início ao fim, temos de ir
reaprendendo a viver.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 11 de julho de 2015)
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