Um brilho diferente arrebata os
olhos daquele homem quando ele fala sobre a Amazônia. A opacidade típica do
olhar de quem está compenetrado efetuando um complexo trabalho manual cede
lugar para olhos de sonho nos momentos em que as sílabas da região brasileira
são moldadas dentro de sua boca. Pode-se detectar o açúcar que ele despeja
sobre a longa palavra, que saboreia na língua frações de segundo antes de
pronunciá-la e fazê-la chegar já doce aos ouvidos do interlocutor, na intenção
de arregimentar simpatizantes para a sua causa pessoal de, um dia, quem sabe,
poder conhecer a Amazônia.
Comigo, funcionou e fui
rapidamente cooptado, até porque, sou uma pessoa altamente influenciável,
especialmente quando se trata de endossar os sonhos dos outros, se expressados
de forma assim tão genuína, verdadeira, intensa. Não sei o nome dele, tampouco
a idade, mas a julgar pela observação e pela experiência, diria que está na
faixa dos 60 anos repletos de vivências, muitas das quais, pelo visto,
ensinaram-lhe a sonhar. Não sei de onde ele é, se nascido aqui, se imigrado de
proximidades ou lonjuras, só sei que trabalha na borracharia onde dia desses
tive de me tornar cliente devido ao rasgo em um pneu causado por buraco urbano
despencado em nossas ruas diretamente da lua pela força das chuvas. Foi-se o
pneu e fui-me à borracharia, onde conheci o homem que sonha em conhecer a
Amazônia.
Não sei por que cargas d´água (e
como tem havido cargas de água por aqui nesses últimos dias) o assunto entre nós
descambou para sonhos de viagem, talvez porque nuvens de chuva voltavam a
ocupar o céu que dera espaço ao sol por um breve par de horas e nos dizíamos
cansados desse clima sulista que tanto exige e castiga. Eu brincava dizendo que
iria fugir para a Bahia, quando ele, tendo o pneu furado subjugado sob seus
joelhos (ele a onça, o pneu a paca, uma cena amazônica representada ali à minha
frente), levantou a cabeça e alçou para mim aqueles olhos permeados de sonho
que, sem a menor brincadeira, almejavam um dia poder viajar e conhecer a Amazônia.
A Amazônia é a Pasárgada desse
homem de lides manuais e certeiras. É lá que reside parte da concretização de
seus sonhos e haverá de chegar o dia em que a Amazônia terá o prazer da visita
desse consertador de pneus daqui do sul, que ainda não abandonou a vital
capacidade de saber sonhar, faça sol ou faça chuva, e como chove!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 25 de julho de 2015)
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