Numa dessas minhas idas a Ijuí,
minha terra natal, onde nasci há quase meio século (odeio essas crônicas
pessoais nas quais, quando vejo, estou a revelar verdades inescondíveis),
reencontrei meu pediatra, o doutor Gilberto. Ele é uma dessas figuras que se
tornam, com o passar dos anos, em personagens quase surreais dentro da gama de
personalidades que foram exercendo papeis cruciais na moldagem de nossa própria
existência. O doutor Gilberto é uma dessas figuras, e das mais importantes,
porque, se consegui chegar a essa idade respeitável (eu ia escrever “longeva”,
mas dei-me um tapa na mão), é porque coube a ele debelar os males que me foram
atacando na infância.
Tive catapora quando criança, em
Ijuí, e foi o doutor Gilberto quem medicou e receitou as pomadinhas que tinha
de passar sobre as feridas que secavam e coçavam. Tive gripes, febres, dores de
garganta, e lá íamos, minha mãe e eu, de Kombi-lotação, até o consultório do
doutor Gilberto, para abrir a boca, mostrar a língua, contar até 33 (verdade ou
ilusão provocada pelo recriar da realidade?), ter o peito auscultado, receber
batidinhas nas costas, respirar fundo, soltar o ar devagar, inspirar de novo,
soltar. Havia brinquedos na sala de espera, mas eu os ignorava, preferindo
sempre ficar sentado em um canto, ao lado da mãe, folheando os gibis. Tomava os
remédios sem rebeldias (ao menos, nisso, e tapa nessa mão que insiste em enfiar
parênteses), ficava curado e ponto para o doutor Gilberto.
Quando percebi que estava na
hora de deixar de ser criança e ficar grandinho, lá pelos cinco anos de idade,
que é quando a gente começa a ter história atrás da gente e a detectar gentes
menores do que a gente em volta, decidi que devia abandonar a companhia do
porquinho de pano que eu levava comigo junto sempre que ia ao dentista, ao
pediatra e ao farmacêutico para tomar injeção (na Farmácia do Chico). Doutor
Gilberto sentiu falta dele em uma das consultas, atento que era.
Mas eu dizia que reencontrei o
doutor Gilberto, lá em Ijuí, dia desses. Cabeça repleta de cabelos branquinhos,
jovial e simpático como sempre, posamos juntos para uma selfie, eu uns 20
centímetros mais alto do que ele. “Cresceu bem esse guri, é a prova de que
acertei nos remédios”, orgulhou-se ele. Eu sou a prova da competência de meu
pediatra. Agora, sim, posso aposentar de vez o meu porquinho...
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 27 de julho de 2015)
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