Tenho visto 50 tons de cinza pela
janela de meu quarto, dia após dia, nos amanheceres desses invernais dias de
julho. O início de inverno neste 2015 decidiu nos brindar, aqui na Serra
Gaúcha, com uma sucessão incansável de neblina, de cerração, de nevoeiro, cada
uma dessas denominações acarretando um tom de cinza diferente, com todas as
suas nuances que vão mudando de acordo com a hora do dia, daí os 50 ou mais
tons perfeitamente verificáveis por quem tiver olhos para ver, sensibilidades
para detectar, imaginação para mergulhar fog adentro.
Mesmo quem nunca esteve em
Londres é capaz de sentir-se caminhando por ruas londrinas ao subir ou descer a
Avenida Júlio de Castilhos de manhã cedinho sem enxergar nada dois palmos
adiante de seu nariz, devido à intensa e cerrada cerração. Isso porque o termo
“fog londrino” já se transformou em conhecimento arquetípico, em memória
cultural coletiva universal, e somos todos londrinos, em qualquer lugar do
mundo que seja abraçado por uma intensa neblina que remeta as mãos aos bolsos, enterre
os pescoços golas adentro, acelere os passos pelas calçadas e espalhe pelas
ruas um intenso tráfego de narizes transformados em chaminés ambulantes.
É como caminhar nas nuvens.
Estamos no interior de uma carregada cumulus nimbus que desceu das alturas para
ver como andam as coisas aqui na superfície, cansada de apenas observar do alto
as agruras pelas quais passam os cidadãos dessas terras estranhas movimentadas
por formiguinhas vestidas e apressadas. As nuvens descem momentaneamente de
seus pedestais celestes e vêm aqui respirar um pouco de humanidade, para logo
se dissiparem e tornarem a se reagrupar lá em cima, preferindo sempre, me
parece, a companhia dos anjos, dos urubus, dos picos dos cerros e dos aviões
que as perfuram e fazem-lhe cócegas.
Mas gosto desses dias cinzas,
especialmente pelas surpresas que o andar pelas ruas emparedadas pela neblina
proporcionam. Ontem, por exemplo, surgiu-me defronte, em uma esquina, um amigo
que há tempos eu não via. Desembarcou à minha frente do meio da névoa como se
descesse de um portal do tempo. Cumprimentamo-nos e desaparecemos ambos logo em
seguida, engolfados pelo cinza de nossas neblinas particulares, cada qual em
seu tom. O meu, um pouco mais ensolarado com o caloroso reencontro.
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 9 de julho de 2015)
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