Todos sabemos que uma simples
ida ao circo é ato que resgata a criança que vive adormecida dentro da gente e age
com um poder terapêutico psíquico poderoso similar ao de um divã. Sim, eu sei,
ninguém precisa se botar a ler as linhas de um banal cronista mundano para receber
obviedades como “o circo desperta a criança adormecida em nós”, como dito acima
por este que vos digita, mas não ficaremos nisso, prometo, não desista tão cedo.
Em mim, a criança já começou a
se manifestar ainda nos dias que antecederam o último sábado à noite, quando
fomos, então ao circo. Isso porque a programação foi-me informada por minha
esposa lá pela metade da semana, quando ela, de posse de vários ingressos, anunciou:
“sábado à noite, iremos ao circo”. Eu disse que não queria, e fez-se a birra em
pacote completo, exatamente igual ao Marquinhos de décadas atrás, com
sobrancelhas arqueadas, beiço desenrolado em cascata, cara de burro, cabeça
abaixada, bochechas infladas, braços cruzados, pezinho batendo: “num quéio!”.
Eu não queria ir ao circo. Desfiz a teima quando soube que meu afilhado de três
anos de idade iria junto. Sabe como é, nós, crianças, ficamos alegres frente à
perspectiva de nos reencontrarmos, e fomos, então, sábado à noite, ao circo.
Resultado? Diverti-me tanto
quanto na infância, desautorizando a teima inicial, como costuma acontecer com
qualquer criança birrenta na maioria das ocasiões em que se bota a fazer birra.
Isso porque caiu por terra o motivo que me induzia a não querer ir a circo, já
que, hoje em dia, esses espetáculos não podem mais apresentar animais selvagens
amestrados (com o que adultamente concordo), nem o globo da morte com suas
motocicletas envenenadas e barulhentas (idem). “Num queio saber de circo
moderno”, batia o pé a birrenta criança grande, antes de ir. E que deslumbre de
espetáculo pode ser um circo moderno como esse que minha esposa, meus cunhados
e meu afilhado me levaram para assistir no sábado à noite! A criança grande
adorou!
O que diferencia uma criança
pequena de uma criança que cresce, no fim das contas, é sua capacidade de domar
as birras e vencer os preconceitos que tentam morar dentro dela. Claro que uma
postura assim não se constrói em um passe de mágica, mas, em sendo conquistada,
tem o poder de operar magias dignas de picadeiros. Abracadabra!
(Crônica publicada no jornal Pioneiro em 2 de agosto de 2015)
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